
Foi ontem a estreia do documentário RIP 2 my Youth que, com uma afluência de público surpreendente, viu-se obrigada a fazer duas sessões contínuas para albergar todas as pessoas que se deslocaram à Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro para assistir à história de Isaac dos Santos, um rapaz trans.
Tive a oportunidade ver o filme na véspera, conhecendo o Isaac e o seu espírito carismático – que se nota, e bem, no seu voluntariado ativista na ILGA Portugal – não sabendo exatamente como iria ser transposto esse espírito para o grande ecrã. Mas o que vi foi uma belíssima homenagem à história e à pessoa de Isaac.
Sim, a linguagem por vezes é forte. Sim, por vezes a atitude é rebelde. Mas é precisamente assim que Isaac é e elas servem-nos de palco para contar como foi a sua transição, quais foram os seus problemas, as suas dores e batalhas durante uma boa parte da sua vida.
Podemos ver o desespero em que Isaac viveu com os seus binders improvisados para se tapar, como todo esse processo o encurralou dentro de casa durante semanas e como, por fim, o magoou. E, no entanto, o Isaac, acompanhado pela namorada Mariana Ramos – o seu contra-ponto e apoio fulcral, aquela com a qual a sua vida “não seria a mesma” – venceu esta grande batalha, fazendo questão de mostrar as cicatrizes, “são o meu orgulho“.
O documentário dá também espaço a familiares e amizades, uma forma de olharmos para Isaac pelos olhos de outrem. E a mensagem é coerente, fica-nos claro, pela orgulhosa avó, que Isaac desde criança se sentiu diferente e que essa sensação se prolongou por toda a adolescência como contam seus amigos e amigas. O apoio que recebeu destas pessoas toma aqui uma relevância inquestionável. A sua vida, a sua identidade e tudo o que caracteriza Isaac nos dias de hoje foi impulsionado pelo próprio, mas é também nestas pessoas que encontrou o seu refúgio.
“RIP 2 my Youth” abre-nos uma janela para momentos de vida quotidiana, seja em frente a um espelho enquanto se barbeia, ou quando lhe desenham tatuagens. Embora encenados – e isso é assumido – a verdade é que não deixam de ser episódios de proximidade sobre a sua vida e a sua relação com a Mariana. Existem igualmente outros momentos em que a câmara se mantém afastada, apenas o suficiente para conseguirmos ouvir a voz de Isaac. Percebemos que a burocracia institucional e médica para a mudança de nome foi um momento frustrante para ele, “não é por não ter esse cartão, essa merda de papel, que eu sou menos homem… mas legalmente, sim“.
É com este caso concreto que fica explícita a importância das propostas do Governo, Bloco de Esquerda e PAN sobre a autodeterminação de género. Este não é um documentário político, mas, no entanto, é-o.
No final vemos Isaac a passear no seu skate junto ao rio Tejo. Percebemos que nos últimos 50 minutos estivemos perante um rapaz multi-facetado, de arestas afiadas nuns pontos e suaves noutros, apaixonado por fotografia, apaixonado por tatuagens e ainda mais apaixonado pela Mariana. Percebemos que é uma pessoa, um homem, por inteiro.
Isto mostra que eu, o Isaac, tenho uma vida como qualquer outra pessoa e por acaso sou trans, e isso é um aspecto positivo. Mas, claro, se as pessoas vão mudar a sua mentalidade com este documentário ou não… isso é com elas. A nossa parte está feita. A nossa mensagem está passada. – Isaac
O filme voltará a ser exibido no dia 24 de novembro no Centro LGBT em Lisboa.
Fonte: Imagem.
3 comentários