Ser mulher é giro

Vem aí o Dia dos Namorados e as floristas vão esgotar as rosas vermelhas. O marido vai chegar a casa, oferecer uma rosa à esposa, com sorte leva-a a jantar fora e dorme descansado.

No dia seguinte, sai para o trabalho e continua a não reparar que o balde do lixo está cheio e é preciso levá-lo para o contentor.

Vem aí o Dia da Mulher e as floristas vão esgotar as rosas vermelhas. O marido vai chegar a casa, oferecer uma rosa à esposa, com sorte leva-a a jantar fora e dorme descansado.

No dia seguinte, sai para o trabalho e continua a não ter de pensar que se calhar é melhor tirar qualquer coisa do congelador para o jantar de logo à noite.

Não é por falta de saber que as coisas têm de ser feitas. Não é por maldade deliberada. É só porque é assim, foi sempre assim. E mesmo que por alguma volta do destino se encontre sozinho e tenha de fazer essas coisas, no instante em que encontrar outra mulher, vai imediatamente deixar de as fazer.

Ser mulher é giro. Temos de viver com estas coisas. Com estas tarefas que nos foram destinadas à nascença só porque sim.

Assim como temos de viver com os piropos e os apalpões nos transportes públicos.

Comecei a trabalhar, em finais dos anos 80, num Despachante Oficial, eu era uma miúda e tinha várias colegas mais velhas. A grande maioria nem se lembra do que era um DO e não tem interesse esmiuçar isso agora. Interessa apenas que se saiba que era um ambiente maioritariamente masculino. Embora houvesse muitas mulheres a fazer o trabalho administrativo, dentro dos escritórios, todo o trabalho de rua, de ir à Alfândega, era feito por homens. Isso começou a mudar depois do 25 de Abril, mas em finais dos anos 80 ainda era um ambiente 95% masculino.

As colegas mais velhas deram-me vários conselhos. Andar com um alfinete na lapela do casaco para espetar os “esfregas” no autocarro. Aprender a ignorar os comentários ordinários dos camionistas, quando eu tinha de passar dias, com 21 anitos, a percorrer o deserto de alcatrão que era o Terminal TIR em Alverca, tendo de passar em frente ao bar sempre que tinha de fazer alguma coisa fora do gabinete. Aprender que a melhor forma de evitar que os próprios colegas de profissão fossem ordinários connosco, era entrar na sala dos despachantes, identificar o colega mais velho, dirigir-me a ele e pedir ajuda. As probabilidades de ele ter uma filha da minha idade eram mais altas, ele ia sentir-se elogiado por eu lhe reconhecer autoridade e respeitabilidade em relação aos outros e, se tudo corresse bem, ia “ajudar-me” (embora eu provavelmente soubesse mais que ele) e proteger-me dos outros colegas. Garanto-vos que resultava sempre.

Ser mulher é giro. Temos de viver com estas coisas.

Mas depois no Dia dos Namorados e no Dia da Mulher dão-nos uma rosa.

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