Adolfo, O Grande

Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente do CDS e vereador da Câmara Municipal da Covilhã, assumiu-se publicamente numa entrevista de vida que deu ao jornal Expresso. Apesar da entrevista não ser só sobre o facto de Adolfo ser homossexual, aparentemente foi apenas isso que as pessoas retiveram sobre o tanto que ele transmitiu na entrevista. E é sobre isso que se fala hoje em quase todas as timelines do Facebook. O facto da orientação sexual de uma figura pública de não ser totalmente indiferente diz muito sobre a mentalidade da generalidade das pessoas em Portugal. E o facto de Adolfo ser do CDS, um partido extremamente conservador, diz muito sobre a mudança de mentalidade que se assiste pelo menos ao nível das lideranças dos partidos políticos do nosso país.

Como dizia Paulo Côrte-Real, em Portugal ainda se vive na era do “don’t ask, don’t tell” (não perguntes, não digas). As pessoas não querem saber a orientação sexual dos demais, mas ainda assim preferem que os homossexuais mantenham esse facto em segredo. Ora hoje em dia, com o acesso ao casamento e à formação de famílias, através de técnicas como a PMA ou através da adopção por casais do mesmo sexo, é terrivelmente difícil – para não dizer tremendamente injusto – pedir às pessoas LGBT que não falem sobre os seus maridos, mulheres, filhos e filhas.

Volto aqui a referir o caso de um executivo francês de um dos maiores bancos da Europa que quando esteve em Portugal contou que ao assumir-se no local de trabalho uma colega lhe tinha dito que não tinha nada contra mas preferia não saber com quem ele dormia. No entanto essa mesma colega não se coibia de lhe contar quase diariamente as peripécias do marido, depois ex-marido, e dos namorados que, entretanto, se lhe seguiram.

As pessoas esquecem-se que os heterossexuais são livres de falar sobre a sua vida pessoal, não o fazerem nem sequer lhes passa pela cabeça. Os homossexuais têm sempre de pensar duas, três, muitas vezes antes de falarem, pensar sobre com quem falam, e ainda pensar sobre as consequências que poderão advir do facto de falarem sobre a sua vida pessoal. E mesmo quando falam, quando sentem coragem para finalmente darem esse passo e fazerem o seu “come-out”, ouvem este género de comentários: “preferia não saber”, “não tenho nada a ver com isso”, “a vida é tua, tu é que sabes”… mas algum hétero alguma vez ouviu isto quando falou da mulher, do marido, dos filhos no local de trabalho?

O Adolfo nunca escondeu a sua orientação sexual, e assumiu-a agora publicamente com naturalidade e arrisco-me até a dizer com elegância. É uma chapada de luva branca a outros políticos de todos os partidos (sim, haverá homossexuais em todos os partidos, pasme-se!) E como ele diz, e eu também digo, esse facto não é um assunto relevante, não devia ser nada de extraordinário, até porque ele assume o privilégio que tem de ser um homem branco, de classe média, numa família com cultura e educação para não se deixar afectar por preconceitos que não têm lugar no século XXI.

Apesar de tudo, eu continuo a achar que o Adolfo é Grande, que este seu passo ainda é infelizmente um passo de gigante num Portugal que precisa de arejar muito mais os armários onde se escondem a enormíssima maioria dos nossos homossexuais.

One comment

  1. Entenda-se com naturalidade o “come-out” público de uma figura pública, e entenda-se como coragem o fazê-lo no contexto das mentalidades (ainda) correntes actuais… mas não me parece que seja justo entender-se com naturalidade que alguém tenha escrito “gay” num cartaz, nem que se lhe reconheça tal direito… ao contrário de coragem, será a cobardia dos que se escondem no anonimato.

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