Tenebrae ou Os Horrores do Armário Católico

Era uma vez um menino que sempre se sentiu diferente. Desde que começou a interagir com outros meninos e meninas que os pais perceberam que ele não era igual aos outros. Assim o deixaram estar, ignoraram a situação numa política de silêncio que só o viria prejudicar. Enquanto crescia e desenvolvia capacidades intelectuais, ao mesmo tempo que aumentava a necessidade de socialização, não compreendia porque era constantemente colocado de parte da maioria das actividades dos restantes colegas de escola, porque é que os adultos o censuravam numa série de comportamentos que para ele eram naturais. Aprendeu portanto a mentir sobre quem era e a ocultar aquilo que lhe era nato com vista a evitar aquela violência a ele dirigida, psicológica ou física. Foram vários anos de solidão dolorosa e repressão quotidiana, de relações falhadas, pessoais e laborais. Até que, um dia, percebeu que a verdade que carregava não podia ser mais por ele violada. Ou vivia essa verdade ou, inevitavelmente, morria. Num ato de coragem sem precedentes e no meio de muitas lágrimas, juntou os seus pais e fez a atemorizante confissão: “Sou católico”.

Estará algo de errado aqui? Parece que não, hoje em dia os católicos praticantes parecem ser as verdadeiras vítimas da normalização dos direitos sociais e da igualdade para todas e todos. Basta ler os textos amargurados do Padre Gonçalo Portocarrero de Almada e António Pimenta de Brito, ambos publicados na secção Opinião do Observador, esse bastião de justiça social que há poucos meses se vangloriou de ter vencido o Prémio Arco-Irís da ILGA Portugal, que na realidade foi atribuído individualmente a uma jornalista sua pela reportagem que fez sobre pessoas intersexo.

Num pedestal da discriminação e do silenciamento, só possível quando têm oportunidade de escrever para um dos jornais de maior leitura em Portugal, mostram indignação pela forma como as pessoas tratam os católicos hoje em dia, precisando, eles sim, coragem em “assumir-se“. O Padre, que usa um hábito que diz ao mundo exactamente quem é, insiste que as declarações feitas por Adolfo Mesquita Nunes acerca da sua homossexualidade – “uma opção ou uma tendência pessoais” – são “revelações sobre a sua vida íntima” e não características naturalmente identitárias. Tal como impor a batina e o cabeção são atos desnecessários de exposição da vida íntima, que só a eles lhes diz respeito. A fé é algo pessoal, não precisa de ser gritada por holofotes, nem em púlpitos, nem de ter marchas nem ajuntamentos de orgulho católico. Isso seria pateta.

Mas melhor ainda é o texto de vitimização de Pimenta de Brito que queixa-se que a atual política de inclusão e aceitação não visa os católicos. Homem do mundo que diz sobre o seu local de trabalho em Barcelona: “Respirava-se um ambiente diverso, sim, demonstrado em dezenas de nacionalidades, cores de pele e formas de vestir. Um dos meus formadores era assumidamente gay e havia uma política de inclusão de pessoas deficientes”. A última frase é tudo e não precisa de análise detalhada. Este exemplo da aceitação de todos os credos diz também acerca de uma colega búlgara que o confrontou com aspectos contraditórios da fé católica: “No final, fui meter “água na fervura” e conversar com ela. Falei-lhe da Basílica da Sagrada Família, haverá maior exemplo de exotismo e fé? Bom, e aquilo ia redundando em marcar um “date” e, como sou casado, tentei refrear-me, pois a rapariga não era de todo pouco atraente”. Pena a beatificação ter de ser póstuma porque este organizador de dates católicos online para fins de matrimónio – instituição que tanto preza para ter de dar nega a uma gaja toda boa – merecia.

O título do texto de Pimenta de Brito é “Sair do armário como católico”. Ou seja, decidiu, sabendo exatamente o que estava a fazer, usar a mesma terminologia que é usada por pessoas LGBT no seu processo identitário, para evidenciar a discriminação que sofrem. Mas desengane-se, tal violenta tentativa de mudança da nossa narrativa é imune a este tipo de ataques descarados. Não vamos aceitar que esta vitimização bacoca – de atuais opressores a falsos oprimidos – seja validada. A não ser que queiram que lhes sejam retirados direitos fundamentais enquanto seres humanos, que sejam insultados diariamente em praça pública, que sejam humilhados com sussurros e pontapés no baço por serem quem são. Isto porque já não dá para reverter a função ancestral dos pelourinhos. Eles são demasiado bonitos e valorizam tanto os centros históricos que não podem ficar sujos de sangue e fagulhas outra vez. Sinais dos tempos.

Por Nuno Miguel Gonçalves

I lived once. And then I lived again.

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