“Senta-te. Eu não sirvo para consumo masculino”. Foi assim que há já quase três anos Janelle Monáe calou um usuário do Twitter que lhe gabava a beleza natural enquanto denegria a sua escolha de indumentária, um fato. Em lugar de um vestido, claro. Mas Monáe nunca quis ser consensual. Desde o início que a sua voz clássica e cheia de soul se emprestava a música frenética de arrojo inesperado, sempre vestida de algum ativismo humanitário. E a imagem de marca inicial – uma espécie de James Brown no feminino – quase drag king, de fraque, de pompadour e brilhantina, foi-se transformando ao longo dos anos e evoluindo com a mesma força de vontade que a artista, não só cantora mas também atriz, cada vez mais sedimentada e com duas fantásticas interpretações em dois dos melhores filmes do ano passado Moonlight e Hidden Figures.
@mellow_saa sit down. I’m not for male consumption.
— Janelle Monáe, Cindi (@JanelleMonae) April 13, 2015
Na música, sempre seguiu uma linhagem de Dorothy – d’O Feiticeiro de Oz – também ela do Kansas, futurista e robótica, procurando uma fundamentação para a sua humanidade. Mas elevando a ficção científica do afrofuturismo a um patamar pessoal e transmissível. E agora prepara-se para lançar o seu quarto disco de originais, Dirty Computer, que ainda não sabemos se estará inserido no conceito dos álbuns anteriores de serem suites de uma obra maior, The ArchAndroid. Mas pelo trailer apresentado para o disco, já se adivinhava alguma mudança desta linhagem, continuamente afrofuturista e muito bem conjugada com a temática em voga de Black Panther. O andróide está cada vez mais inevitavelmente humano e em lugar de representar Dorothy, parece ser ela própria A Feiticeira de Oz, A Mulher por Detrás da Cortina, quem tudo controla.
Isso torna-se evidente com o lançamento duplo dos singles de apresentação: Make Me Feel e Django Jane. No primeiro o funk toma-nos desprevenidos, com uma batida infecciosa a dar lugar a uma melodia que parece ter saído do Prince e de Sheila E dos anos 80. Uma espécie de Kiss renovado e preparado para o século XXI, fruto da emancipação sexual da protagonista, que se divide entre um homem e uma mulher, interpretada pela belíssima Tessa Thompson (a Valquíria de Thor: Ragnarok), com quem Monáe estará a ter um romance. Mas rumores à parte, existe aqui algo de revolucionário na forma como apresenta uma liberdade isenta de restrições e convenções sociais. É simplesmente a forma como se sente. Um novo hino bissexual para o século XXI. Em entrevista ao The Guardian disse:
Espero que a mensagem de liberação sexual passe. Que as pessoas se sintam mais livres, não importa quem sejam e que se sintam celebradas. Porque é sobre o empoderamento feminino. É sobre controlar a nossa narrativa e o nosso corpo. É importante para mim deixar as pessoas saberem que não me possuem nem me controlam e não vão usar a minha imagem para difamar ou denunciar outras mulheres
Django Jane é mais tradicional no género do hip hop mas não poupa ninguém: é uma manifesto feminista e negro na linhagem de Formation de Beyoncé, levando o ativismo ainda mais além, sem quaisquer papas na língua. Em trajes de inspiração africana e com uma tropa de mulheres por detrás dela, entoa (algo que não me atrevo a traduzir) “We gon’ start a motherfuckin’ pussy riot or we gon’ have to put ’em on a pussy diet?” enquanto continua a questionar-se sobre o estado atual do da misoginia. E exige aos homens que OUÇAM. Que não precisam de explicar-lhe algo que só a ela diz respeito.
Afasta-te, senta-te, não estás envolvido nisto. Carrega no botão de silêncio. Deixa a vagina ter um monólogo.
Vamos então calar e ouvir Janelle Monáe. Porque isto parece ser apenas o início.
3 comentários