O Alívio Na Homofobia

No nosso dia-a-dia recebemos sinais e tentamos interpretá-los às nossas ambições e expetativas. Já me deparei com algumas situações em que pais e mães, após ouvir um comentário homofóbico dos seus filhos ou filhas, esboçaram, de forma vagamente consciente, um leve sorriso ou um reprimido impulso. Nem sempre é fácil de descortinar o que vai por trás de certos sinais. Serão aqueles pais e mães igualmente preconceituosos? Será que se trata de uma propagação de fobia entre gerações?

Nestas andanças de observação de comportamentos à nossa volta percebi que poderá ser esse o caso, mas não se esgota aí. Existiu ali de forma mais ou menos consciente o pensamento que se aquele filho ou filha mostraram algum sinal homofóbico – e até pode ser apenas uma insinuação para não terem sequer a obrigação moral perante outras pessoas em os reprimir – que eles e elas não serão gays nem lésbicas. Existiu ali um alívio, um alívio na homofobia daqueles – dos nossos – filhos e filhas.

O que não deixa de ser irónico, porque o que não faltam são histórias em que os maiores bullies se revelam, na realidade, eles gays, elas lésbicas. Quantas vezes uma pessoa, independentemente da sua idade, ofende, agride, odeia outrém precisamente como medida de defesa? Uma máscara que coloca para se afirmar num grupo de pessoas, uma máscara que coloca para ser aceite, uma máscara para sobreviver?

Esta é uma questão especialmente sensível quando falamos de jovens. Não se trata aqui de uma desculpabilização, porque mensagens e actos de ódio devem ser educados e reprimidos, mas sim de entender que existem casos em que uma piada, bullying ou ato homofóbico é um alerta, uma possível chamada de atenção para uma natureza que ainda não se compreende por completo. Por isso importa que pais e mães entendam que, em vez de sentirem alívio quando os seus filhos e filhas dizem algo ofensivo sobre a identidade de alguém – porque acreditam que é sinal que eles e elas não poderão, jamais, serem gays e lésbicas – deverão dar-lhes o espaço para que eles e elas possam eventualmente entender por que o fazem, se isso está relacionado com a confrontação sobre aquilo que são e sentem.

Porque não é alívio, em nenhuma circunstância o poderia ser, seja por falta de educação, máscara ou puro ódio, não há orgulho algum em ver preconceito a sair da boca de uma criança, apenas o alerta de que algo está errado, não naquilo que é ou poderá assumir ser mais tarde, mas sim na forma como lidamos com isso. É um alerta que pede ajuda, confiança, comunicação e eventualmente tempo. Mas não, nunca, alívio.

Fonte: Imagem.

2 comentários

  1. Nos ambientes (des)educativos tradicionais, familiares e escolares, as crianças estão imersas na pressão “normalizante” de alinharem com as maiorias; serem “diferentes” traz as conhecidas dificuldades de inserção nos grupos de colegas e amigos, daí que um comentário ou atitude homofóbicos sejam um modo de se demarcarem do que seja “diferente”. Mas isto pode, e está claro no texto, representar uma ainda inconsciente manifestação do que vai na “alma” e nos desejos latentes, por isso mesmo não reconhecidos, dos jovens que têm muita necessidade de estabelecer essa demarcação. Assim que acho as observações feitas muito pertinentes. (Este mecanismo homofóbico aparece exposto no filme “Quand on a 17 ans”, de André Téchiné.)

    1. É exatamente isso, há ali um ajustamento de expetativas que se pensam corroboradas quando surge aquele tipo de comentários ou atitudes. Mas estes trazem muitos significados que nem sempre são óbvios e só se revelam mais tarde. Haja pois mais e melhor comunicação. Obrigado por mais um ótimo comentário 🙂

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