Tiago Braga Lança ‘Ilusão’: “Assumir-me Gay Teve Um Impacto Muito Maior Do Que Imaginava”

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Tiago Braga, músico nascido no Porto, já tinha passado por este espaço aquando do lançamento de “Amor (Já Cá Não Mora)“, mas passados dois anos traz-nos agora várias novidades: assumiu-se gay ao lançar o vídeo para o seu novo single, Ilusão.

Tiago explicou que tomou esta decisão porque “a homofobia ainda existe” e estava “farto de ser neutro relativamente a este assunto”. Para entedermos em pormenor as suas motivações e como este coming out influenciou a sua vida artística e pessoal vale a pena ler a entrevista:

Através da ‘Ilusão’ assumiste-te gay, que importância teve para ti, a nível pessoal e artístico, o teu coming out?

Honestamente, por muito clichê que pareça, acho que foi uma das decisões mais importantes que já tomei. Mas só me apercebi disso depois do videoclipe sair. Na altura não estava à espera que o impacto fosse assim tão grande porque eu não estava propriamente no armário para as pessoas do meu dia-a-dia. E para além disso a sensação que eu tinha era que já ninguém queria saber de “coming outs”. Muitos dos meus amigos chegados até brincaram comigo a dizer que no meu caso não ia ser surpresa nenhuma (e eu também concordava com eles).

Mas o impacto foi muito maior do que eu imaginava. Bati o meu recorde de visualizações num tema original logo na primeira semana. E nunca na minha vida tive as inboxes das redes sociais tão cheias de mensagens. Com esta frase não quero dizer que estou feliz só por ter muitas mensagens na inbox do Instagram, isso qualquer blogger ou influencer com umas dezenas de milhares de seguidores tem. Mas fiquei genuinamente surpreendido com a quantidade de pessoas que, apesar de não me conhecerem de lado nenhum, se abriram comigo e contaram-me as suas histórias de vida para expressar o seu apoio. Todos os dias leio mensagens novas que me fazem perceber que a minha decisão de fazer este videoclipe da maneira que fiz teve um impacto muito maior do que aquele que eu esperava ter, que era praticamente nenhum.

A visibilidade é um dos caminhos mais eficazes para o empoderamento das pessoas LGBTI, qual a mensagem que pretendes passar com este novo single?

A mensagem de que todos temos direito a sentir-nos confortáveis com a nossa sexualidade e de que ninguém deve ter medo de ser quem é. Também acho que só mais recentemente é que me fui apercebendo do poder que esta questão da visibilidade tem e também por isso é que talvez só fiz este videoclipe agora.

Quando era mais novo pensava que não havia assim tanta necessidade de fazer marchas do orgulho gay porque as pessoas já estão fartas disso. Achava que o ideal era ter uma posição neutra em relação a questões mais controversas e que não tinha necessidade de partilhar a minha sexualidade com o público porque estaria só a tentar chamar a atenção. Até tenho vergonha de dizer isto, mas acho que vale a pena ser honesto para talvez poder inspirar outras pessoas a mudarem de perspetiva como eu fiz.

Uma das várias mensagens de apoio que recebi dizia o seguinte: “quando a cultura não espelha a diversidade, não reflete aquilo que somos verdadeiramente enquanto seres humanos e enquanto sociedade, então perpetuam-se preconceitos que inevitavelmente conduzem a situações de injustiça e opressão. Aquilo que ouvimos, que lemos, que vemos forma-nos quase tanto como pessoas como a nossa família e os nossos amigos. Por isso é que a cultura tem um papel tão importante na nossa formação como indivíduos e como sociedade e por isso é que é tão importante o que estás a fazer“. Acho que esta frase explica perfeitamente o porquê de ser tão importante existir uma maior representação LGBTI na cultura portuguesa. E no fundo foi numa tentativa de contribuir para o aumento dessa representação que fiz este videoclipe.

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Dentro do mundo artístico começamos, por fim, a assistir a saídas de armário e a enredos que incluem pessoas LGBTI, sentes que começa a haver essa disponibilidade e sensibilidade adequadas para abordar este mundo, estas pessoas?

Mais ao menos. Acho que sim, efetivamente, nos últimos tempos o público português tem tido a oportunidade de entrar mais em contacto com narrativas LGBTI. Talvez o exemplo mais recente e mais mediático de que o público se recorde seja o projeto “Casa do Cais“, que acompanhei religiosamente por ter sido feito por colegas meus dos tempos do YouTube. Foi provavelmente o maior marco da história no que diz respeito à representação de narrativas LGBTI na ficção nacional e isso é ótimo, claro. Mas acho que ainda temos um longo caminho pela frente.

Não me vou pronunciar sobre indústrias que não conheço tão bem, mas no caso da música parece-me indiscutível que a representação LGBTI é praticamente inexistente. Uma das razões pelas quais também fiz este videoclipe foi porque me incomodava o facto de serem poucos ou praticamente nenhuns os artistas do segmento pop português que são assumidamente gay. Lá fora temos o Sam Smith, Troye Sivan, Frank Ocean, Olly Alexander e tantos outros. E em Portugal? Quantos artistas da música portuguesa que sejam assumidamente gay conseguem enumerar? E quantos desses que conseguem enumerar estão a passar na rádio ou tocar num dos mil festivais do país? Já para não falar das dezenas de artistas, dentro e fora do mundo da música, que são quase que forçados a esconder a sua sexualidade do público porque estraga o “boneco”.

Acho que sou demasiado pequenino para fazer verdadeiramente a diferença na indústria, mas espero que o que eu fiz de alguma forma inspire outros artistas que são muito maiores do que eu a darem uma maior voz à representação LGBTI na música portuguesa.

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Still do vídeo Ilusão, Tiago Braga e Nelson Queirós.

E surpresas, houve alguma mensagem especial que te tenha impressionado ou inspirado por parte de fãs?

Várias. E tenho a certeza que à medida que for lendo todas aquelas que estão por responder ainda me vou impressionar e inspirar mais. Recebi mensagens de rapazes e raparigas com 16 e 23 anos, homens e mulheres com 35 e 40, todos a contarem-me os seus percursos e todas as dificuldades por que tiveram de passar.

A mensagem que mais mexeu comigo foi a de uma rapariga que deve ter os seus 16 anos e que me contou que a mãe lhe bateu, insultou e chegou inclusive a ameaçar expulsá-la de casa porque começou a namorar com uma rapariga. Ela explicou-me que continua a namorar com essa rapariga, mas que tem de manter tudo em segredo para não correr o risco de sofrer novamente abusos físicos e psicológicos por parte da mãe. Essa mensagem em específico partiu-me completamente o coração. Ninguém devia ter que passar por uma coisa dessas. Nenhuma miúda ou miúdo de 16 anos devia ter que viver da forma que ela vive. E infelizmente é uma realidade a que assisti com alguns pais de amigos meus. Tenho sempre o receio de passar uma imagem de bicha extremista quando digo isto, mas acho que todas as pessoas que trabalham nas indústrias criativas têm uma certa culpa quando este tipo de coisas acontecem. A cultura é capaz de mudar a nossa forma de pensar de uma forma mais eficaz do que as pessoas que nos são mais próximas. E quando as pessoas que são responsáveis por moldar a cultura não dão importância à representação LGBTI, estão a contribuir para que mentalidades de pessoas como os pais daquela rapariga continuem retrógradas. É por isto que desde que lancei este single ainda não me calei com a questão de ser importante haver uma maior representação LGBTI na indústria da música e do entretenimento. Porque são as indústrias onde indiscutivelmente o público tem mais tendência a ser homofóbico. É muito mais provável encontrar pessoas homofóbicas no público de uma novela da TVI do que no público de uma exposição de arte da Gulbenkian, por exemplo.

Não sei o que o futuro me reserva nem quantos mais singles ou videoclipes vou ter oportunidade de fazer, porque neste momento sou um artista completamente independente e é cada vez mais difícil ser-se “indie” no Pop em Portugal. Mas enquanto tiver oportunidade, vou continuar a representar histórias LGBTI em tudo aquilo que fizer precisamente por não querer ser um dos culpados pelo facto daquela miúda de 16 anos ter de viver da forma que vive.

Poderão escutar e fazer o download de Ilusão nas várias plataformas disponíveis seguindo este link. E, claro, vejam de seguida o vídeo: