Quase um mês depois da aprovação em sessão plenária da Assembleia da República da lei da autodeterminação de género, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu vetar a mesma lei, pedindo ao Parlamento que este pondere “a inclusão de relatório médico prévio à decisão sobre a identidade de género antes dos 18 anos de idade“.
Esta lei vetada pelo Presidente da República visava a autodeterminação de género a partir dos 16 anos, sendo então possível fazer a mudança os documentos de identificação no Registo Civil em conformidade com o género determinado pelo próprio ou própria. A lei garantiria também a proibição da mutilação genital em bebés intersexo e da manutenção de todas as características morfológicas até que a sua identidade de género pelo próprio ou própria seja manifestada.
Rebelo de Sousa coloca mais um obstáculo para Portugal se juntar a um conjunto crescente de países – que incluem a Noruega, Dinamarca, Bélgica, Irlanda e Malta – em que a luta LGBTI está bem representada na legislatura nacional, e arremessa o nosso país novamente para trás nesta conquista por parte de pessoas trans.
Numa nota pessoal é com grande tristeza e embaraço que assisto novamente, tal como vi Cavaco Silva fazer há uns anos quando vetou a adoção por parte de casais do mesmo sexo, a um Presidente da República português votar contra uma maioria parlamentar em assuntos de direitos humanos e de igualdade. Prolonga assim o sofrimento e a tortura quotidianos aplicados a jovens trans que, numa idade crucial do seu desenvolvimento, vêem a sua identidade condicionada não só pelos adultos que as rodeiam mas também pelo mais alto representante do país.
Marcelo Rebelo de Sousa deixou-se derrubar novamente pelo populismo que lhe é latente desde o início do seu mandato e influenciar-se, não pelos profissionais competentes das mais diferentes áreas médicas que se pronunciaram inúmeras vezes pela aprovação do diploma, mas sim por pressões de alas mais conservadoras.
Este é um entrave que, querendo novamente a Assembleia através de uma votação com maioria absoluta, poderá ser ultrapassado e abrir de vez a porta para a autodeterminação, derrubando assim o veto de Marcelo, tal como aconteceu com Cavaco. Porque aos 16 anos a esmagadora maioria das pessoas sabe a sua identidade, não precisa de um atestado para lhes dizer se são homens ou mulheres e precisa ainda menos de todo o peso simbólico e social que se sobrepõe especialmente a pessoas trans. Marcelo atrasa a vida destas pessoas, mas o Parlamento tem agora a derradeira possibilidade de as salvar.
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