A Surpresa de Malato

José Carlos Malato assumiu-se homossexual segundo notícias e com isso surgiram muitas reações, nomeadamente, a que mais li em múltiplos comentários e, acrescento, a mais óbvia, é que, em tom irónico, era “uma enorme surpresa!” Para além da piada fácil, existe neste tipo de raciocínio um problema: o desprezo pelo coming out público de alguém.

E há vários pontos que alimentam esse desprezo, nomeadamente não entender que quando uma pessoa assume uma relação não está necessariamente a assumir a sua orientação sexual, pois ao se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo não existe uma única hipótese quanto à identidade dessas pessoas. Certo, a homossexualidade será a mais provável, mas devemos contribuir para a invisibilidade (e quantas vezes a negação) de outras orientações sexuais como a bissexualidade, por exemplo? Malato assumiu uma relação com o músico João Caçador e apenas isso e não é um preciosismo, é dar a liberdade à pessoa de se definir adequadamente e como ela bem desejar e entender, seja ela homossexual, bissexual ou pansexual (ou…).

Da mesma forma, afirmar que não existe qualquer surpresa na homossexualidade de Malato, em jeito de galhofa como li em inúmeros comentários, é igualmente não perceber a importância que tem alguém assumir-se publicamente. Independentemente das suas qualidades e das suas escolhas em termos de timing – uma discussão bem mais interessante seria, por exemplo, perceber em que circunstâncias estará uma pessoa para deixar de partilhar com o próprio pai uma parte tão importante da sua identidade: quem ama. Malato decidiu fazê-lo, não é uma questão de surpresa, é uma questão de vida.