Nas últimas semanas, depois de passada a euforia da Marcha e do Arraial Pride em Lisboa, voltei a refletir sobre a questão da visibilidade LGBT. Primeiro porque levei um enorme murro no estômago ao ver Nanette, o show da comediante lésbica Hannah Gadsby onde ela fala sobre o tanto que está mal na forma como tod@s, incluindo as próprias pessoas LGBT, lidamos com o tema da orientação sexual. A raiva contida que Hannah nos demonstra em crescendo liga-nos a todo um passado de menorização e por vezes até de humilhação gratuita e pública de várias gerações de crianças, adolescentes e jovens que cresceram a sentir-se desconectadas duma sociedade que glorificava, e que ainda hoje enaltece, a base familiar dita comum: pai, mãe, filho e filha, como se esse “pilar” fosse o garante de um bem-estar social e até mental sendo que tod@s sabemos que sem amor, sem respeito e sem apoio não há cá pilar que resista às provações a que vida nos vai submetendo!
Depois porque num evento de comemoração da independência do povo americano encontrei alguém da comunidade LGBT que voltou a insistir que a nossa vida privada é só nossa, ninguém tem nada a ver com isso e que de certa forma devemos calar e esconder, sobretudo no local de trabalho. Sendo que uns dias depois aterrei em Madrid bem no meio na semana de comemoração do Orgulho LGBT e a comparação não podia ser mais antagónica. Se aqui em Portugal ainda há quem preconize que as pessoas LGBT devem esconder aquilo que são, que devem viver na angústia, no medo e na vergonha, em Madrid é exatamente o oposto! A vida leva-se descontraidamente e quem está mal são os outros, os fundamentalistas religiosos, e todos os que acham que a minoria LGBT não devia ser visível.
Ide a Madrid, levem um banho de arco-íris no 1º sábado de cada mês de Julho, e vejam o que é viver numa sociedade inclusiva! É impossível não amar Madrid, amar em Madrid, que nos acolhe duma forma tão calorosa. É a única cidade do mundo onde eu e a minha mulher nos beijamos livremente, onde andamos de mãos dadas pelas ruas da cidade engalanada e tod@s sorriem para nós! Mesmo que não nos dirijam palavra sabemos que ali nos querem, aliás o mote da semana do Pride é “Ames a quien ames, Madrid te quiere”!
Em Portugal falta-nos um mundo para chegarmos aos calcanhares de Madrid. Não nas leis, e se calhar não na presença de pessoas LGBT nos media, mas em termos de visibilidade, sobretudo no espaço público e nas empresas, estamos tão distantes! É certo que há pequenos passos que se vão dando, empresas como a Vodafone ou a IBM ou o BNP Paribas que incentivam os empregados a criarem grupos de apoio LGBT, e que em alguns países, como em Espanha, patrocinam as Marchas do Orgulho bem como uma multiplicidade de eventos ligados à diversidade. Mas essas empresas ainda são uma pequena minoria em Portugal, e as pessoas LGBT continuam a não se sentir seguras em assumir-se perante os colegas e as chefias.
Seja porque razão for continuam a achar que serão discriminadas, não ativamente porque isso seria ir contra a lei, mas assumirem-se diferentes poderá significar não serem consideradas para certas posições ou promoções. Daí eu continuar a insistir na questão da visibilidade, é preciso vermos pessoas LGBT em todas as posições, desde o degrau mais baixo até aos conselhos de administração das empresas para que Portugal abra o seu coração, como Madrid já abriu há muitos anos, a esta minoria que não pede mais do que o resto da população. Queremos amor, respeito e apoio. Temos o direito a existir no espaço público como já existimos em privado. Madrid estende-nos um tapete vermelho coberto de bandeiras arco-íris, gostava tanto que em Portugal um dia nos acontecesse o mesmo!
Foto por Mercedes Mehling na Unsplash.