Respeitar Gisberta

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Gisberta é hoje um dos maiores ícones LGBTI em Portugal e no Brasil. Foi assassinada em 2006 por um grupo de jovens no Porto num crime hediondo e transfóbico. É a sua morte o centro do novo romance de Afonso Reis Cabral, Pão de Açúcar e neste contexto surge uma peça no Diário de Notícias. O título? “O romance do traveca assassinado por gunas desalmados.”

Há demasiadas referências completamente erradas e, em 2018, especialmente injustificáveis no artigo escrito por João Céu e Silva e que promove o livro do autor Prémio Leya 2014. O problema começa logo no título: a escolha de um insulto no masculino numa peça destas apenas se justifica quando existe uma apropriação do insulto por parte da vítima, vide o exemplo de “Senhor Traveca“. Ora, quando o uso da expressão, mesmo entre-aspas no corpo do artigo, é justificada porque “um bando de jovens” assim a chamava, é focar em quem insulta e dar-lhes força. É validar o termo como insulto. E isso não tem desculpa para estar num texto destes, não desta forma, muito menos aqui no masculino.

Numa conversa em que Afonso Reis Cabral se foca na humanização de todas as personagens – o livro apresenta-se pela perspetiva de um dos jovens que mataram Gisberta – importa pois que essa humanização seja efetiva e transversal, com especial cuidado para a vítima. Porque ela já cá não está. Porque, mais de uma década passada, ainda se alimentam textos com insultos sem qualquer propósito de apropriação dos mesmos. Porque, mais de uma década passada, Gisberta ainda é tratada por um género com que não se identificava e cuja luta acabou por ditar a sua morte.

Porque Gisberta foi e será mulher.

Letra de Pedro Abrunhosa na voz de Maria Bethânia.