Rui Guerreiro do CheckpointLx sobre o VIH: “A PrEP nos hospitais não dá resposta a quem mais precisa”

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2018 é um ano de viragem para o VIH. Dois estudos foram divulgados a meio do ano – um deles visando casais de homens gay – que revelaram indiscutivelmente que parceiros seropositivos com carga viral tornada indetectável pela terapia antiretroviral não transmitem o vírus por via sexual ao parceiro ou parceira VIH negativos. Estes avanços são cruciais para percepção pública da infecção e para a erradicação da epidemia, bem como do estigma a ela associado. Apesar de tudo, num relatório divulgado agora pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é revelado que Portugal está longe de acompanhar esses saltos em frente: é o segundo país europeu na lista dos que a SIDA ainda mais mata e o quarto com mais diagnósticos. Estes, revela cá a Direcção Geral de Saúde (DGS) e o INSA, são na sua maioria feitos em fase tardia em Portugal, com 40% dos novos infectados heterossexuais na faixa etária acima dos 50 anos.

Falámos com Rui Guerreiro, enfermeiro tanto no Serviço Nacional de Saúde (SNS) como no CheckPointLx, fazendo a ponte entre o apoio a nível comunitário e os cuidados de saúde primários. Ele diz em relação aos novos diagnósticos: “É uma questão multifatorial. Realizar rastreios nos grupos onde sabemos que a epidemia se tende a concentrar é benéfico no sentido de identificar novas infeções e ligar as pessoas aos cuidados de saúde formais, como são os hospitais. Mas percebemos também que a nível comportamental existe algum grau de desconhecimento relativamente à infeção por VIH e do risco das práticas específicas em si, que não está claro para todas as pessoas.” Os 1086 novos casos notificados em Portugal, um aumento em relação ao ano anterior, podem também ter que ver com uma maior eficácia no diagnóstico: “É uma questão a que devemos estar atentos. O VIH atinge desproporcionalmente as pessoas, e tende a concentrar-se em alguns grupos – como é o caso dos homens que têm sexo com homens, pessoas trans, pessoas que fazem trabalho sexual e pessoas que utilizam drogas. Portanto estas serão as áreas preferenciais de atuação, mas de forma a ter um impacto sistémico em toda a sociedade”.

Em relação ao Sistema Nacional de Saúde considera crucial que exista uma maior formação dos profissionais de saúde e mais acessibilidade ao tratamento de novos casos: “Fazer o teste é muito importante, mas tem de haver seguimento e uma ligação direta da pessoa aos cuidados de saúde quando é necessário. Muitas vezes são os centros comunitários que ajudam neste processo, nomeadamente nas pessoas mais vulneráveis como por exemplo as que não tem número de utente ou as que já estavam a fazer tratamento para controlar a infeção noutro país e que agora vivem em Portugal. Existir estruturas facilitadoras desse trabalho é crucial para que as as pessoas tenham acesso aos cuidados de saúde”.

Rui Guerreiro, enquanto parte do CheckPointLX, centro de base comunitária de apoio a homens gay ou bissexuais – mas não só – e que faz aconselhamento em saúde sexual, rastreio do VIH e de outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), acredita que é a nível comunitário que a grande parte da cultura da prevenção deve ter lugar: “Ao nível da prevenção em saúde é fundamental o trabalho dos centros comunitários. Locais próximos às pessoas, onde podem obter ferramentas que lhes permitam gerir os risco das práticas”.

Uma das formas de empoderamento da comunidade LGBT na sua sexualidade e tentativa de atenuação do estigma passa também pelo uso das profilaxias, tanto a PPE – profilaxia pós-exposição – como, mais eficazmente, a PrEP – profilaxia pré-exposição, disponível em Portugal desde o ano passado exclusivamente através do SNS. “A PrEP nos hospitais não dá resposta a quem mais precisa dela. Já era previsto por quem contacta com as pessoas com risco acrescido e que são elegíveis para o tratamento. Nomeadamente pela dificuldade no acesso aos cuidados de saúde. Mesmo depois de implementada (a PrEP), os tempos de resposta em grande parte dos hospitais passam em larga escala o definido na norma de orientação clínica da DGS. Por isso o caminho é descentralizar o acesso à PrEP, disponibilizando-a em ambiente comunitário”.

Em relação à quantidade de pessoas, 240 em Portugal, a fazerem a PrEP com o Truvada, desde 2017 diz: “O número é diminuto. E a PrEP, tal como noutro tipos de cuidados de saúde, tende a concentrar-se em zonas muito específicas do país. Não existe um acesso uniforme, neste momento está restrita aos hospitais do SNS, o que pode ser algo bloqueador”. E, para o Rui, a PrEP pode ser mesmo a resposta mais viável para a erradicação da epidemia: “(A PrEP) é uma ferramenta muito eficaz na prevenção da transmissão do VIH. A utilização desta profilaxia é um marco fundamental no controlo da epidemia. Não me parece que os profissionais de saúde dêem a atenção devida à vida sexual das pessoas e muito menos com uma orientação sexual não normativa. Na minha opinião, se já é difícil para um jovem branco heterossexual ter cuidados sensíveis a sua saúde sexual, será ainda mais díficil para alguém sem número de utente ou que seja trans”.

Para quem não faz a PrEP e sente que foi exposto ao vírus as urgências dos hospitais do SNS estão equipadas para dar resposta com a PPE, que tem de ser administrada até 72h depois do ato sexual de risco. E quanto mais cedo melhor: “É um esquema diferente da PrEP. Esta deve ser utilizada quando existe uma prática de sexo anal ou vaginal sem uso de preservativo, ou romper ou ficar e consiste na toma de medicação durante 28 dias de forma a reduzir significativamente o risco de transmissão do VIH.”. E desdramatiza os possíveis efeitos secundários de qualquer uma das terapias antirretrovirais: “Uma vez que as profilaxias são realizadas sob vigilância de profissionais de saúde, é possível fazer também a gestão de possíveis efeitos secundários”.

Avisa também da importância crucial do rastreio regular de outras IST – que não são facilmente tratáveis como a sífilis, gonorreia ou clamídia: “Sabemos que havendo outra infecção sexualmente transmissível, especialmente sendo ela ulcerativa (causadora de ferida), como por exemplo a sífilis, pode aumentar o risco de transmissão do VIH. Muitas vezes as pessoas só procuram cuidados quando tem sintomas, sendo que estas infeções podem não dar sintomas e mesmo assim serem transmissíveis a outras pessoas”.

O pior inimigo do VIH é para ele, não surpreendentemente, o estigma ainda associado à infecção: “O estigma relaciona-se com o desconhecimento. O VIH ainda é associado a promiscuidade, ao prazer/sanção, o conhecimento é fundamental”.

Estamos hoje preparados e preparadas, mais que nunca, para fazer frente à epidemia do VIH. Temos todas as ferramentas necessárias para gerirmos a nossa saúde sexual e viver a sexualidade em plenitude sem vergonha nem culpa. Mas é vital que isso seja acompanhado de uma nova atitude perante o VIH e com quem ele vive. Num momento em que sabemos que as pessoas com VIH em tratamento não o podem transmitir e munidos com a PrEP, que melhor previne a transmissão do mesmo, não podemos deixar que este estigma que condena a nossa comunidade há décadas continue a existir.

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Rui Guerreiro (Foto Público)

 

 

 

Podem consultar toda a informação sobre a PrEP, PPE e todas as outras IST no site do CheckPointLX.

 

 

 

Imagem: © Marc Bruxelle | Dreamstime.com