A Dádiva e @ Mach@: “Aqui não vais doar sangue!”

Não é costume expor situações que me desagradam, deixam triste ou desapontad@. Todavia, hoje, terá que ser diferente, porque, e passo a citar x amadx Ghandi “Torna-te na mudança que queres ver no mundo.

Não posso estar mais de acordo.

Decidi ir fazer uma dádiva de sangue, dirigi-me ao centro de dádiva de sangue, Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP que fica na Av. Brasil 53 – Pavilhão 17 – Alvalade – Lisboa.

Aquando da minha chegada (foi a primeira vez que fui doar sangue em Lisboa) fui docemente acolhid@ pela pessoa da receção, que prontamente me pediu os dados para a criação do perfil de dadxr, e me colocou várias questões sobre dádivas anteriores (desde 2008 que o faço).

Após o preenchimento do formulário, no qual notei várias lacunas no que toca à inclusão de muitas pessoas que sei que existem, fui para o gabinete para a avaliação e triagem, como é expectável.

Aqui se inicia o desconforto.

Depois da navegação por estado clínicos, situações de doença e consumo de estupefacientes, vêm as questões ligadas à vida sexual, na qual me perguntam se tinha tido parceirx nos últimos seis meses, ao que respondi que não; se alguma vez tive relações com pessoas com o Vírus da Imunodeficiência Humana, ou VIH | HIV (algo que precisa ser rapidamente revisto dados os cuidados e medidas preventivas a nível do Serviço Nacional de Saúde), ao que respondi que não; se já tinha tido contacto com “homens” (as aspas são propositadas porque não concordo com este rótulo, considero macho mais apropriado), respondi que sim. Entretanto a questão volta a surgir: “Já teve contacto sexual com homens?“, ao que respondi novamente que sim. Este foi o retorno que obtive: “Certo, então não vai poder voltar a doar sangue, pelo menos aqui em Lisboa, não aceitamos dádivas de sangue de homens que estiveram com homens.” (#fiqueibege).  Questiono: “Como assim? Que eu saiba existe um período janela de 6 ou 12 meses dependendo do caso.“, “Não, não, aqui não. Não vai poder doar sangue. Lamento.” 

Saí incrédul@ do gabinete, provavelmente com cara de quem acaba de levar um choque de realidade social.

A pessoa da receção que ligava para o Hospital de S.João no Porto para confirmar o meu número de dador, volta a chamar-me para concluirmos o preenchimento do perfil em mãos. Quando ultima e procura guardar os dados acabados de inserir, recebe um erro, em retorno, dizendo que não é possível gravar porque x dadxr foi excluído do sistema.

Por momentos não quis acreditar no que acabava de ouvir, pensando que se trataria apenas daquele local, mas não, para minha surpresa, fui excluíd@ da possibilidade de voltar a fazer doação. 

Estupidifiquei. Sinto que naquele momento entrei numa bolha de “Isto não me está a acontecer. Como assim? Pela minha natureza, não posso doar sangue? Já não bastam todas as limitações que isto implica na sociedade em que vivo?

Saí desolad@, com sensação de injustiça, triste.

Depois do jantar resolvi pesquisar sobre o assunto. E sim, não é assim que isto funciona. Podes ler sobre o assunto na dezanove, aí tens o link com toda a informação necessária.

Agora além deste manifesto, agirei de acordo com o necessário para que isto não se volte a repetir e para que consiga exercer, legitimamente, o direito que tenho.

Confesso Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP, é uma desilusão encontrar profissionais da área que não estejam a par daquilo que é a legislação em vigor no que toca às dádivas de sangue, dada a sua relevância para a manutenção de vida em sociedade.

Serve o presente texto para apelar e dar a conhecer esta situação a todas as pessoas que de alguma forma se sentiram alguma vez excluídas por uma situação sobre a qual não há qualquer controlo.

Assim como dar a conhecer este caso às entidades que defendem ou divulgam a humanidade de que somos feit@s, como a ILGA Portugal, a rede ex aequo, a esQrever, a dezanove e a Capazes.

Isto pode parecer um drama básico de uma pessoa com privilégio social, seja ele de que ordem for, mas digo-vos, não é.

Trata-se de afirmar uma posição, de assumir um lugar em sociedade que a tua existência como pessoa te atribui, assim como de defender espaços livres e conscientes para existir, livres de toxicidade, inibição, e opressão internalizada.

Eu sou absolutamente livre de pertencer onde quiser, se quiser, não tenho que caber em padrões ou corresponder a expectativas.

Tu, à tua maneira é-lo também, não importa como.

Basta de discriminação gratuita, de ostracismos e de LGBTIQA+fobia. Basta.

Uma música, Assuma dx Castello Branco

Navegante Estelar aka João Pedro.


A ‘novela’ portuguesa da dádiva de sangue esteve em destaque no Podcast dar Voz A esQrever, oiçam:

Por Participante

Participantes que contribuem para o esQrever.

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