John Wojtowicz: Um anti-herói dos anos 70

Em 1972, apenas três anos após os acontecimentos de Stonewall, John Wojtowicz é o protagonista de um dos assaltos mais emblemáticos de Nova Iorque. Não por dinheiro. Mas por amor. 

Fig.1 – John Wojtowicz após detenção

John Wojtowicz nasceu em 1945, Nova Iorque. Lutou na Guerra do Vietname e anos mais tarde casa com uma mulher, tendo dois filhos com a mesma. Até este momento, a vida de John é vista como normal para a época.

Porém, dois anos após o seu casamento, Wojtowicz separa-se e associa-se à GAA – Gay Activists Association – fundada seis meses após Stonewall, em 1969. Assume-se assim como membro da comunidade LGBT. Anos depois, John conhece Elizabeth Eden, uma mulher trans por quem desenvolve uma relação romântica e com quem se casa numa cerimónia não oficial. Elizabeth pretende fazer uma cirurgia de reatribuição sexual à qual Wojtowicz inicialmente se opõe. Esta opinião muda após Elizabeth ser hospitalizada devido a depressão e uma tentativa de suicídio. Para além de diversos  entraves inerentes à época, Elizabeth não podia realizar a operação por dificuldades financeiras.

Fig.2 – John Wojtowicz e Elizabeth Eden no dia do seu casamento (1971)

É então, em agosto de 1972, que John Wojtowicz decide assaltar um banco em Nova Iorque. Com que propósito? Arranjar dinheiro para a operação da sua esposa, Elizabeth. Diz-se que John inspirou-se nos filmes d’O Padrinho para o assalto, reunindo-se com dois colegas e abordando um banco aleatório. Nenhum dos membros do crime possuía experiência, o que resultou em 14 horas fechados no banco, oito reféns, dezenas de forças policiais e cerca de duas mil pessoas e media a assistir ao evento

O assalto não singrou e John foi sentenciado a vinte anos de prisão, dos quais cumpriu seis. Elizabeth conseguiu realizar a operação, separando-se de John. Quase duas décadas depois, morre devido a complicações associadas ao vírus da SIDA. John Wojtowicz passa a viver com a sua mãe até falecer em 2006, devido a um cancro que recusou tratar. 

Fig.3 – Artigo de jornal contemporâneo ao assalto

Apesar de alguns boatos sobre a verdadeira razão do assalto, é certo que John foi o autor de um dos maiores acontecimentos da cidade de Nova Iorque na década de 70. Tal foi o impacto deste crime tão peculiar que levou a sua história ao mundo cinematográfico, com uma adaptação produzida por Sidney Lumet e protagonizado por Al Pacino, que realizou o papel de John Wojtowicz (chamado de “Sonny”), num clássico de Hollywood, Dog Day Afternoon (1975).

O filme recria genericamente os eventos do dia do assalto. Sendo um filme com um intento histórico, não é tomada nenhuma posição direta sobre os temas sociais da época. Contudo, não é necessário um olho clínico para denotar todo um leque de críticas à sociedade, desde brutalidade policial, racismo e o papel da mulher, como os direitos da classe trabalhadora, religião, imprensa e claro, a visão da sociedade perante a comunidade LGBT.

Fig.4 – Comparação entre o filme (à esquerda) e o assalto real (à direita)

A ação de Dog Day Afternoon está construída de forma faseada, permitindo-nos criar a nossa opinião sobre Sonny em simultâneo com o público que assistia ao assalto. Sonny demonstra medo, insegurança, bondade e coragem. É um anti-herói mundano.  Durante toda a negociação com a polícia, Sonny conversa e brinca com os reféns (maioritariamente mulheres), atendendo às suas necessidades e encomendando mesmo pizzas, detalhes estes que ocorreram no assalto verídico.

Apenas a meio da longa metragem é referida pela primeira vez a orientação sexual de Sonny, quando este exige falar com a sua esposa, Elizabeth (chamada de “Leon” no filme). Aqui há uma clara mudança na audiência. O público ri-se, polícias riem-se, alguns censurados pelos seus superiores, e surge o apoio a Sonny de pessoas LGBT no meio da multidão (bastante estereotipadas), pormenores aos quais o protagonista nunca reage. Para Sonny, a visão dos outros sobre a sua sexualidade é irrelevante. 

O filme apresenta algumas falhas perante a temática LGBT, talvez pela contemporaneidade dos eventos. A palavra trans nunca é usada, Leon é sempre referido como um homem e surgem algumas intermitências sobre o seu casamento com Sonny. Esta relação é retratada como abusiva, deixando algumas reticências sobre o assunto. Porém, certo é que Sonny amava Leon, bem como a sua primeira esposa e filhos. 

Aquando o lançamento desta adaptação para o grande ecrã, Wojtowicz encontrava-se preso, sendo uma surpresa ver Al Pacino (em quem se inspirara para o assalto), representar a sua pessoa. Sobre o filme critica o desvio de alguns factos e a representação degradante da sua primeira esposa.

Fig.5 –John Wojtowicz no dia do assalto, 22 de agosto de 1972

John Wojtowicz foi um homem queer que nos anos 70 cometeu um crime pela felicidade de alguém que amava. Fica como sugestão o documentário biográfico sobre John, The Dog (2013), bem como o clássico de Hollywood Dog Day Afternoon, cabendo ao leitor decidir se Wojtowicz foi um louco ou um romântico, e quem sabe, talvez ambos. 

Fontes: All Things Interesting, BBC.


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