
Há algo de tremendamente perturbador a acontecer em Portugal nos últimos dias. Suásticas e saudações nazis marcaram presença nos meios de comunicação e nas redes sociais. A razão? Uma maldita conferência internacional da extrema-direita em Lisboa. Organizada por um criminoso português já condenado, num hotel que lhe deu guarida e lavou ali as mãos recusando qualquer responsabilidade. Só faltava mesmo uma reportagem de um semanário para que todo aquele simbolismo de ódio inundasse as nossas vidas. Apesar da resistência e dos pedidos de cancelamento ao abrigo da Constituição, foi mesmo isso que aconteceu. E agora que temos esta gente diante de nós, pergunto, como manter uma saudação nazi na irrelevância?
São pessoas que, para além de negarem e subverterem os direitos de toda a população, são especialmente cruéis com minorias, considerando-as – aliás, considerando-nos – “lixo”. São pessoas julgadas vezes e vezes sem conta. Condenadas e condenáveis, sem qualquer vislumbre de amenização. Posse ilegal de armas, difamação, sequestro e assassinato são apenas alguns dos seus actos. Criminosos, violentos, mortíferos.
Alcindo foi violentamente espancado na zona do Chiado por um grupo de nacionalistas, vindos de um jantar comemorativo do Dia da Raça designação dada durante o Estado Novo ao Dia de Portugal. Alcindo, um cidadão português de origem cabo-verdiana, acabaria por morrer.
Para memória futura.
E aqui estamos, com o grupo hoteleiro anfitrião a alegar desconhecer o que estava a ser organizado e por quem. Em comunicado mostrou-se de consciência limpa e sem qualquer responsabilidade sobre a realização do mesmo, dentro das suas portas e sobre o seu aval. Ainda na véspera uma outra rede de hóteis tinha cancelado a realização da conferência nos seus espaços. E, dado o grau de violência que o dito dirigente neo-nazi demonstrou ao telefone, foi preciso chamar a polícia quando o mesmo se dirigiu ao hotel para ser reembolsado. Não restem quaisquer dúvidas que é este o nível de perigo iminente que estes grupos manifestam abertamente, assumem com todo o orgulho e, pior, concretizam contra a restante população vezes sem conta.
Vivemos hoje um impasse, um momento em que temos a opção de escolher o caminho que queremos traçar para o nosso país. Temos hoje a oportunidade de cimentar aquilo que define Portugal, ou seja, aquilo que nos define como sociedade, como pessoas. A extrema-direita, como força política, continua a ser motivo de anedota em Portugal e, sem qualquer hesitação, assim gostava que continuasse. Mas dar-lhes palco e reportagens exclusivas em conferências nacionalistas é uma belíssima forma de lhes oferecer a visibilidade que tanto procuram por cá. É que, ao contrário de outros países na Europa, podemos dar-nos ao luxo de os chamar de irrelevantes e o mérito, haja orgulho nisso, é todo nosso. Mas nem sempre assim acontece, basta ver como algumas destas forças estão novamente a ganhar notoriedade e, inclusive, assento parlamentar em vários países europeus. É isso que queremos que aconteça em Portugal?
Não está em cima da mesa a liberdade de expressão, como algumas pessoas insistem, de forma mais ou menos cega, em defender. Está sim o incentivo à violência, à discriminação e ao ódio e, entenda-se, muitas destas posições já foram efetivamente concretizadas por estes grupos. Já agrediram, já odiaram, já espancaram, já sequestraram, já mataram. E se nos cruzarmos um dia com eles? Não só num hall de um hotel insuficientemente preocupado com aquela presença, mas também numa loja, num restaurante, na rua ou, pior, na Assembleia da República. É essa a representação institucional que queremos?
O líder dos skinheads portugueses, juntamente com dois amigos, ambos de cabelo rapado, obrigaram a vítima a entrar no automóvel sendo esta mais tarde abandonada na zona de Sintra, após ser espancada.
Para memória futura.
Fale-se e escreva-se sobre estes movimentos, porque a memória deve ser preservada sobre tudo aquilo que representam. Fale-se e escreva-se, mas repudie-se a normalização de um dos movimentos mais indignos da história da humanidade. Fale-se e escreva-se dando-lhes o contexto e a responsabilidade históricos que estes grupos representam, porque o Holocausto também passou por aqui e está na responsabilidade de todas as pessoas, de grupos hoteleiros a jornalistas, de agentes da polícia a representantes políticos garantir que isso não volte a acontecer. Portugal encontra-se num momento especialmente importante em termos políticos, pois pode servir de exemplo já em outubro a uma Europa perdida, remetendo estes grupos, e mais uma vez e as vezes que forem necessárias, à sua reles irrelevância.