
Ontem assisti a um desenlace verdadeiramente emocionante dos resultados das eleições legislativas. Por um lado vimos uma esquerda mais forte e progressista contra uma direita diminuída a um mínimo histórico, por outro – e aquilo que realmente temia – concretizou-se, Portugal deixou de ser um dos poucos países europeus livres da extrema-direita no seu Parlamento. Vamos por partes?
Não há grande volta a dar, o CDS sofreu uma tremenda derrota ontem e, após o anúncio da saída de Assunção Cristas, o partido precisa encontrar novo rumo. Novo, mas não qualquer, e muito menos o rumo que Abel Matos Santos pretende dar ao partido ao ter-se apresentado como candidato à sua liderança nas próximas eleições internas. O CDS precisa entender que o discurso populista de que foi rodeado internamente pelas suas vozes mais conservadoras trouxeram-lhe o pior resultado dos últimos largos anos. Como prémio podemos alegar uma das vitórias da noite – e outra machadada no sangue novo que o partido pretendia lançar – a não eleição no Porto de Francisco Rodrigues dos Santos, dirigente da Juventude Popular e para quem “o casamento é entre um homem e uma mulher“. Esta é, portanto, uma saborosa vitória.
Mas houve igualmente vitórias concretizadas nos votos. Nomeadamente quando teremos o Parlamento com 86 mulheres eleitas, 38% dos lugares disponíveis que cimentam a tendência da última década graças à nova lei da paridade que entrou em vigor em julho deste ano, definindo como limiar de paridade a “representação mínima de 40% de cada um dos sexos”. Estamos, após décadas de ‘espera’, no bom e premente caminho!
Mas a representatividade não se ficou por aqui. Igualmente notável foi a eleição de uma assentada de três mulheres negras para o Parlamento, todas originárias e/ou descendentes da Guiné Bissau e, inclusive, uma cabeça de lista por Lisboa pelo LIVRE: são elas Beatriz Dias (Pedagoga/Bloco de Esquerda), Joacine Moreira (Historiadora/LIVRE) e Romualda Fernandes (Jurista/Partido Socialista). Este é um feito realmente “fabuloso!“
O resultado eleitoral é um forte exemplo da interseccionalidade de quem nos representa. Acontece que a eleição para a Assembleia da República de quatro pessoas assumidamente LGBTI – Fabíola Cardoso (BE), Graça Fonseca (PS), Sandra Cunha (BE) e Alexandre Quintanilha (PS) – é inédita na história da democracia portuguesa. Ainda haverá certamente espaço para uma representatividade mais fiel da realidade (são menos de 2% dos assentos parlamentares), mas esta não deixa de ser uma importante e simbólica vitória para a população LGBTI.
Mas estas são umas eleições agridoces, pois, se por um lado Portugal reforçou pessoas e ideias progressistas para o Parlamento enquanto retirou poder a outras que castigaram o país nos últimos anos, ao mesmo tempo elegeu pela primeira vez um partido da extrema-direita. Portugal deixou assim de ser um dos poucos países europeus livres da extrema-direita no seu Parlamento, um dos poucos países europeus onde este movimento crescente por toda a Europa era, efetivamente, insignificante. Estaremos, portanto, como país a pagar uma subvenção a um partido abertamente xenófobo, racista e LGBTIfóbico. Vergonhoso.
Dito isto, e é com esta mensagem que importa terminar este apontamento, quem representa e defende no Parlamento a liberdade, nomeadamente as pessoas acima referidas e respetivos partidos, terá que ser francamente excecional para o desafio que tem à sua frente. Para que a liberdade e a igualdade nunca sejam colocadas em causa dentro e fora do Parlamento. Para que Portugal continue na linha da frente na defesa das pessoas LGBTI, continue firme no seu percurso feminista social e político e lute entusiasticamente e sem qualquer hesitação contra a xenofobia e o racismo. Eu acredito!
Fotografia por Bella The Brave.
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