Porque o regresso da série “The L Word” é tão importante?

“The L Word” está de volta com um novo nome –  “The L Word: Generation Q” e algumas das atrizes e personagens mais icónicas da primeira série, Bette, Shane e Alice fazem parte do enredo. Bette é uma política que pretende ser Presidente da Câmara de Los Angeles, Shane está num processo de divórcio e Alice tem um “Talk Show” na televisão. Jennifer Beals, Katherine Moenning e Leisha Hailey, respetivamente, são agora as produtoras executivas da nova temporada em colaboração com a criadora, Ilene Chaiken. Foram elas que tiveram a ideia de fazer uma continuação de “The L Word”. É produzida pela Showtime, tal como há 15 anos.

Quando “The L Word” saiu para os ecrãs de televisão, não existia nada sobre as lésbica ou bissexuais.  As séries que existiam eram “Will & Grace” ou “Sex and the City” duas séries que apresentavam temas fraturantes com humor, e “Queer as Folk”, uma série que contava o dia a dia de um grupo de homens Gay no Reino Unido e, numa outra versão, também nos Estados Unidos. Não me lembro de a ver na televisão em Portugal.  “Orange is The New Black” foi a série mainstream que seguiu “The L Word” com mulheres como protagonistas e depois dela não houve mais nenhuma. Essa falta, fez com que tivessem vontade de voltar com “The L Word”, primeiro pensaram fazer um filme e depois concretizaram com a sequela da série.

Ilene Chaiken conta como teve a ideia de criar “The L Word” e descreveu o seu “coming out” através da personagem de Jenny na série. Quando se apaixonou pela primeira vez por uma mulher descobriu uma comunidade evoluída, mas invisível, e assim pensou contar a história dessas mulheres. Como o canal Showtime produzia a série “Queer as folk”, conseguiu convencer a produção do episódio piloto. “The L Word” teve tanto sucesso com os primeiros episódios que a Showtime encomendou logo a segunda temporada. A série daria a visibilidade às mulheres lésbicas e bissexuais desfazendo os tabus e preconceitos associados à palavra Lésbica. Foi pioneira na revelação da sexualidade entre mulheres, da intensidade das suas relações e da interacção entre elas. Foi também pioneira na contratação de argumentistas e realizadoras, e muitas das atrizes que deram vida as personagens de “The L Word” são efetivamente lésbicas ou bissexuais como: Katherine Moenning, Leisha Hailey e a criadora Ilene Chaiken.

Em Portugal passava na RTP. Para mim e um grupo de amigas, ver “The L Word”  era como um ritual, esperávamos ansiosamente os novos episódios. Debatíamos o que gostávamos e não gostávamos, chorávamos com a separação de Bette e Tina, mas sobretudo – sobretudo! – a série enchia de orgulho e de coragem uma geração de jovens que não sabia lidar com a sua orientação sexual e identidade de género. Foi preciso “The L Word” para mudar muitas das nossas vidas. Foi preciso “The L Word” para mudar os preconceitos associados às lésbicas que, até lá, eram representadas como mulheres ditas “masculinas”.

O último episódio foi há 11 anos e muitas coisas mudaram. “The L Word: Geração Q” foi motivada porque a nova geração Queer está mais preparada e mais aberta que em 2004. Quando “The L Word” acabou em 2008, não havia casamento entre pessoas do mesmo sexo. George Bush tentava, sem conseguir, alterar a constituição para impedir que o casamento gay fosse normalizado no Estados Unidos. Foi com a administração de Obama que o casamento foi legalizado em toda a América. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é possível em muitos países e foi legalizado em Portugal no dia 8 de janeiro de 2010.  “The L Word” deu visibilidade a uma pessoa trans, com a personagem de Max – hoje a definição da identidade de género é mais perceptível e aceite, mesmo se ainda perdura uma discriminação dos espaços que lhes é dado na sociedade. Na altura, ainda vigorava a lei “Don’t ask, don’t tell” no exército americano, restringindo as pessoas LGBTI, e foi então importante a personagem Tasha, uma militar negra e lésbica.  A lei “Don’t ask, don’t tel” foi depois repelida com a presidência de Obama.

Apesar de se ter conseguido grandes avanços em termos legais, estamos a viver momentos complicados com governos que continuam a condenar a homossexualidade, grande companhias de divertimento a aceitar a censura das representações de afeto, há atentados contra o humor, contra a liberdade de expressão e o fascismo está a crescer, na Europa e no Mundo, com um preocupante retrocesso dos direitos fundamentais das pessoas LGBTI – pode dizer-se até, dos direitos humanos. Sob a administração Trump as pessoas trans são atacadas, rebaixadas e ele não as reconhece plenamente. Ainda não há igualdade de género – as mulheres não ganham o mesmo que os homens em muitos sectores, o movimento “Me Too” abriu os olhos sobre o assédio e agressões sexuais que as mulheres sofrem no trabalho. A violência contra as mulheres continua a matar, muitas, demasiadas e a nossa liberdade sexual e reprodutiva é sempre posta em causa. Atualmente, vivemos momentos obscuros nos Estados Unidos e em muitos países com “democracias”.

“The L Word Geração Q” volta para combater o conservadorismo e os ataques dirigidos à comunidade LGBTI e às mulheres com a nova administração Trump. O facto de Bette estar a tentar ser eleita Presidente da Câmara de Los Angeles, ela que é mulher, mestiça e lésbica é a prova disso.

Vi algures que “The L Word” é a bíblia das lésbicas e bissexuais e concordo plenamente.

Com a nova geração, há outros desafios! Só saíram 3 episódios. Vi os dois primeiros, muito promissores, e estou ansiosa por ver toda a série. Espero que volte a ser tão importante como há 11 anos. Estou à espera que a televisão portuguesa volte a partilhar a vida destas mulheres – os amores, desamores, as ilusões, desilusões, as transformações e a sexualidade. Mostrar apenas a vida com ela é – de todxs e de todos os dias.

Todo este novo panorama mundial mostra a importância de “The L Word Geração Q”. Precisamos, mais do que nunca, que elas nos iluminem com amor, sabedoria, paciência, raiva. Nós, mulheres, somos complexas, complicadas, apaixonadas, somos também, competentes, responsáveis, cumpridoras, mães e pais. Somos a vida… “The L Word” é uma série sobre muitas de nós, mesmo assim, somos além dela. Os preconceitos, a discriminação, as desigualdades não podem ter um lugar na vida das pessoas, independentemente da razão. Não há razão que se sobrepõe à vida, aos direitos humanos e à liberdade. A liberdade de viver bem os momentos que partilhamos na terra é fundamental. A cores é muito melhor.

Espero que algo de bom saia desta nova temporada.

Ana Sofia Chaparreiro

The L Word: Generation Q esteve em destaque no Podcast Dar Voz A esQrever, oiçam:

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9 comentários

  1. A Resistência à Adversidade, pode continuar, mas por questões economicas, até porque ter filhos gera mais setores criados para a demanda que o crescimento gera: com maternidade, vestuário, brinquedos, alimentação! Por outro lado, conhecer a anatomia do (a) companheiro (a), tem aquele diferencial de prazer bem mais intenso! Inclusive o periodo de 2020/21, nos meses de Isolamento Social e Home Office, mostrou que casais heteros, já não tinham aquela rotina “Lua de Mel”. Quando cheguei ao apartamento de um homem/marido que passou a caminhar comigo, Depois do regramento Covid-19, pareciamos adolescentes: ele disse rindo a mim, querendo logo te conhecer mais, no quarto, ciente do recesso conjugal dele, relevei a busca com pouca demora para chegar ao meu reto! E a nossa amizade continua!

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