
Vivemos dias difíceis, dias de desafios em que esta pandemia do coronavírus nos obrigou a alterar rotinas, a isolar, a recear. Esta responsabilidade de nos protegermos, mas também a de protegermos quem nos rodeia, pode trazer o melhor que há em nós. Aliás, deve trazer o melhor que há em nós. Porque não nos podemos dar ao luxo de alarmismos, de culpabilização, de xenofobia. O vírus não pode servir de desculpa para baixarmos os braços enquanto seres humanos empáticos, sociais, comunitários.
Há que saber desligar, estar horas a fio a ver notícias sobre o coronavírus faz mal à saúde e mais facilmente caímos em alarmismos e sensacionalismos desnecessários. Acedermos à informação essencial e de fontes sérias e fidedignas é o melhor que podemos fazer para não cairmos numa espiral de fake news. Há, pois, e repito, que saber desligar. Filmes, séries, jogos são excelentes formas de nos entretermos e nos afastarmos por umas horas do constante bombardeamento de notícias sobre o COVID-19. A nossa saúde mental agradece.
Como é que este estado de alerta nacional pode então afetar em concreto a população LGBTI e as suas comunidades? Haverá o mais óbvio, o encerramento de espaços amplamente desfrutados por parte da população, sejam discotecas, saunas ou centros comunitários. E, se estes fechos são, obviamente, necessários, importa não reduzir as suas consequências a meros aborrecimentos ou queixumes individualistas. Há nisto uma causa maior, a saúde das pessoas, todas elas. Até porque, com este ambiente de permanente alerta, vivemos dias de maior ansiedade, de maior stress causado por tudo aquilo que em nosso redor mudou em tão poucos dias – e o ser humano é, tipicamente, um ser que gosta das suas rotinas. Este estado permanente de ansiedade pode então despoletar desequilíbrios de humor ou, em casos em que exista maior fragilidade na saúde mental, situações de desespero. O perigo não existe apenas na figura do vírus, mas também – e nalguns casos acredito que até com maior responsabilidade – em nós.
É neste ponto que surge o apoio familiar e comunitário. Não é segredo para ninguém que a população LGBTI ainda hoje vive com muitas fricções associadas à própria família. Seja por uma questão de aceitação – que é como quem diz rejeição e consequente afastamento e isolamento –, seja por ainda hoje sermos postos fora de casa ou nos obrigarem a fugir dela. Onde está então a nossa família numa situação destas?
O conceito de família pode, felizmente, ser alargado. De certa forma, todas as pessoas terão a sua família escolhida, aquelas pessoas com quem podem contar sempre, que fazem parte de nós e nós delas. É precisamente aí que entra então a família. Saibam como essas pessoas estão a lidar com a situação de emergência, quer a nível de proteção como psicologicamente. Disponibilizem-se para, em segurança, ajudar quem esteja mais fragilizado no combate ao COVID-19, seja uma ida às compras ou farmácia, por exemplo. Reitero, em segurança. Um simples telefonema ou mensagem podem realmente fazer a diferença numa pessoa para que esta não se sinta tão solitária ou desapoiada nos dias que correm.
É impossível não fazer uma ponte com a pandemia do VIH, que assolou o Mundo no início da década de 1990 e durante a qual a população LGBTI, especialmente os homens gay e as mulheres trans, a enfrentaram sozinhos e sozinhas, à mercê do ódio e da desinformação que dizimou milhões de pessoas em todo o Mundo. Eles e elas, não esqueçamos, eram das nossas – e vossas – famílias. Hoje, ainda que em circunstâncias totalmente distintas, sabemos melhor que isso, muito melhor. Importa, pois, não voltar a repetir os erros do passado.
Que a sensibilidade e as defesas que ganhámos enquanto vivemos – e quando morremos – outrora, sirvam hoje para nos unir e proteger quem entre nós mais precisa. Protejam-se e protejam.
Nota: Texto revisto pela Ana Teresa.
Imagem por Toimetaja tõlkebüroo.
A entre-ajuda em plena pandemia foi abordada no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️🌈:
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