Como celebrará Cláudio Ramos o Dia Nacional Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia?

O Dia Nacional Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia é comemorado desde 2015 em Portugal, num evento que pretende relembrar que “a homofobia e a transfobia representam uma real ameaça à realização da dignidade e liberdade individual das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans, frequentemente alvo de tratamento discriminatório e mesmo de atos de violência motivados pela sua orientação sexual ou identidade de género”.

É neste contexto que pergunto: como celebrará Cláudio Ramos, e toda a equipa da TVI e da produção do Big Brother 2020, o Dia Nacional Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia?

Nova contextualização: na passada terça, dia 12, a TVI decidiu deixar para o público a decisão sobre a expulsão de Hélder, um dos participantes do reality show, que, logo no primeiro dia, foi acusado de fazer comentários homofóbicos. O concorrente comentou que prefere “ser mulherengo do que…“, apontando para Edmar, concorrente assumidamente homossexual do programa. Como se não bastasse, assediou uma concorrente num discurso sexista.

“Todas estas transgressões são delitos graves e o Big Brother jamais poderá fechar os olhos”, disse a voz-off do concurso. Já Cláudio Ramos relembrou Hélder da gravidade da situação e da possibilidade de magoar e incomodar quem o visse em casa. Referiu ainda a sua própria situação, como “espectador, pai e homossexual“. Confrontado com as imagens, Hélder referiu-se sempre a homossexuais como esse “tipo de pessoas“. Após todos estes episódios, a estação decidiu abrir uma votação que oferece a possibilidade de expulsar este domingo o concorrente homofóbico e sexista, em chamadas de valor acrescentado, pois claro!

Há aqui um falso moralismo por parte da estação, da produção do programa e, claro, do apresentador. Em vez de ser decidida a expulsão imediata do concorrente, decidem alimentar uma polémica por elas criada, com benefício económico para um lado e prejuízo para toda a sociedade. Numa altura em que a pandemia colocou as pessoas em casa e em que muitos e muitas jovens se viram obrigados a regressar a casa de família. Quantas delas não estarão numa posição de insegurança e desconforto ao verem na televisão uma votação para se decidir se é ok ser-se homofóbico e machista? É ok sermos homofóbicos e machistas? Bem, pelos vistos não é assim tão óbvio…

Todo este episódio lembra-me o fórum da TSF que questionou ouvintes se concordavam com o plano de confinamento para as comunidades ciganas proposto pelo deputado de extrema-direita em Portugal. No espaço de poucos dias, e após anos em que ideias LGBTIfóbicas, racistas e xenófobas foram capa de alguns jornais portugueses, vemos assim o resultado de um processo de normalização daquilo que até agora repudiávamos. Décadas de luta pelos direitos e pela igualdade estão a ser colocados em xeque sempre que um órgão de comunicação social os questiona. E, pior, no caso da TVI, por puro entretenimento populista e retorno financeiro. A nossa dignidade custa assim tão pouco?

O facto de Cláudio Ramos ser gay não o escuda da responsabilidade que tem nesta polémica fabricada também por ele. Ainda no início do ano, a cara do Big Brother 2020 criticou “as bichas” ativistas que não se dão ao respeito e que têm que andar sempre a gritar nas marchas que são gays, porque não podem elas ser, afinal, “como o Diogo Infante?” E, quando a sua antiga colega Luísa Castel-Branco diz que é preciso normalizar e respeitar a homofobia, o Cláudio Ramos responde com um “absolutamente”. Vou repetir: Normalizar e respeitar a homofobia, “absolutamente”. A clara homofobia internalizada de Cláudio Ramos – e não será o único na televisão portuguesa *coughGouchacough* — fere-o não só contra ele, mas também e em especial todos os homens gay que não se comportam consoante a normativa masculina e discreta. E, além disso, permite-se entrar neste circo de polémicas e moralismos bacocos em que, no final, a igualdade e liberdade estão ao alcance de uma chamada de valor acrescentado.


A partir do minuto 19min30s, o Pedro Carreira e o Nuno Gonçalves discutem a homofobia internalizada de Cláudio Ramos no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈


Independentemente do resultado da votação deste domingo, e tal como a questão levantada pelo fórum da TSF, a TVI abre assim novo precedente para se instalar o ódio em pleno horário nobre na televisão portuguesa. Pior, levanta uma questão cuja resposta pode ser assim aproveitada por populistas para fazer avançar as suas agendas discriminatórias contra populações historicamente perseguidas. Quando são pessoas privilegiadas e que usufruem, e bem, de todos os direitos conquistados nas últimas décadas que abrem esta porta, é razão para dizer que a atitude do Cláudio Ramos é vergonhosa. Big shamer.

Nota: Texto revisto pela Ana Teresa.


Falamos do passado IDAHOT e de como Cláudio Ramos (e a TVI) estão a celebrar este dia marcante com o requinte capitalista da homofobia no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈, oiçam: