Porque é que insultar André Ventura com #HITLERILAS não o ofende só a ele

Vá lá, não sejas assim, é só uma piada“. Feliz Pride especialmente a todos os homens gay ou queer que ouviram hoje isto quando se manifestaram acerca do momento humorístico de Ricardo Araújo Pereira (RAP) no seu programa da SIC, Isto É Gozar Com Quem Trabalha. O comediante mais famoso da atualidade portuguesa decidiu pegar nas alegações homofóbicas do deputado André Ventura do Chega acerca do rapper Agir, afirmando que este era “efeminado”. Daí que RAP e companhia fizeram uma piada no programa na forma de uma imagem em que colocaram Ventura em trajes de soldado nazi, pulso quebrado e apelidando-o de #Hitlerilas.

Pois bem, compreendo perfeitamente que existe comédia quando se vira o preconceito como um espelho que reflete a imagem do perpetrado. Aliás, já o discutimos aqui. Muitas vezes é eficaz porque confronta o alvo da piada com a discriminação que impõe sobre outrem e leva-o a enfrentar o seu próprio insulto. Mas essa eficácia vem em detrimento de todas as pessoas que são insultadas da mesma forma sem qualquer ironia ou comédia. E neste caso é eficaz única e exclusivamente porque um nazi larilas é mais ofensivo que um nazi não-larilas. Ofende não só Ventura como todas as pessoas que são discriminadas por serem larilas. E isso não tem graça nenhuma.

E por vários motivos. Porque está a validar a força do insulto feito a incontáveis homens diariamente como uma punchline para ferir um troglodita, colocando todos no mesmo nível de importância e respeito. Porque está a justificar a utilização do insulto junto das pessoas que não percebem possíveis motivos mais nobres do humor empregue e se riem porque se está a minorar, não um homofóbico com a sua própria homofobia, mas os normais alvos do insulto. Porque está a defender o uso de uma palavra que tem uma gigantesca carga traumática para muitas pessoas com a desculpa do humor. Porque mais uma vez está a um homem cis hetero branco a fazer piadas com conotação extremamente negativa para minorias para denegrir outro, como se conversa de balneário fosse.


A piada homofóbica de Ricardo Araújo Pereira esteve em discussão no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈, oiçam:


A realidade é que o humor de RAP tem vindo progressivamente a tornar-se mais preguiçoso e limitante mas ainda assim não deixa de ser uma surpresa quando isto acontece, não tivesse ele sido até há poucos anos um aliado declarado das pessoas LGBTI. Surpresa e desilusão, especialmente a acontecer em mês de Pride. Pergunto-me, estando vivendo em plena revolução #BlackLivesMatter se RAP também faria piada com o racismo de André Ventura colocando-o em black face e usando a hashtag #hitler*inserir qualquer pejorativo usado com pessoas negras*. Pensando bem, é melhor não fazer essa pergunta. Só ficaria desiludido. Mais uma vez.


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10 comentários

  1. “é eficaz única e exclusivamente porque um nazi larilas é mais ofensivo que um nazi não-larilas.”

    …não. É eficaz porque “confronta o alvo da piada com a discriminação que impõe sobre outrem e leva-o a enfrentar o seu próprio insulto.” Não vem em detrimento de coisa nenhuma. O RAP continua a ser aliado declarado das pessoas LGBT.

    O problema está no que Milan Kundera já previa e temia, que é o recuo progressivo do sentido de humor. Além de termos de levar com os Venturas, temos de ter cuidado para não ferir susceptibilidades quando damos aos Venturas o seu próprio veneno. Não é fácil.

    Deixem lá o Ventura chegar a primeiro-ministro e depois vamos a ver se não temos saudades destes tempos.

  2. Um nazi larilas só é mais ofensivo que um nazi não-larilas para quem acha que ser larilas é uma ofensa. Onde está o orgulho gay? Onde está a inteligência e o orgulho de pegar no “queer” e virá-lo ao contrário, de assumir o insulto e chapá-lo na cara do preconceito?
    Porque é que não é óbvia a posição do RAP? Onde é que se perdeu a ideia do discurso implícito e que não é dito, mas que obviamente lá está?
    Até onde quereis chegar com esta ideia de acabar com o sentido de humor e de policiar as ideias como se fazia no tempo de Salazar, de não compreender as nuances do discurso?

  3. Desculpe, mas você ou não viu/não percebeu o programa ou está a escrever sob a asa da desonestidade intelectual. É que não há terceira maneira de afirmar que a piada do RAP é de alguma forma ofensiva para qualquer homosexual, muito pelo contrário, é a defesa perfeita dessa minoria contra o bully apanhado na curva.

  4. Ninguém quer policiar ou censurar nada, mas quem faz humor tem que se sujeitar ao backlash. Temos pena! A parte final deste texto está mesmo na mouche: assim como já não é mainstream o humor racista (e de facto é fácil imaginar esta piada em modo racista em vez de homofóbico e ninguém se atrever a fazê-la), não há razão para o humor homofóbico continuar a ser mainstream. Ninguém quer policiar o pensamento ou censurar, mas não temos que comer e calar. É engraçado como o argumento da liberdade de expressão é usado por algumas pessoas APENAS na transmissão de ideias/piadas racistas/misóginas/homofóbicas, mas depois não se chocam nada quando os Trumps e Bolsonaros desta vida não querem ser submetidos ao escrutínio da imprensa livre (sendo que um país com liberdade de expressão é um país cuja imprensa funciona livremente e onde os políticos se sujeitam ao escrutínio).

    1. O “backlash”. Se ao menos existisse uma palavra na nossa língua para “backlash”. Enfim.
      Noutras notícias, imaginem ser-se tão frágil que o humor de um tipo muito específico de humano; um homem cis hetero branco , vos arruina o dia.
      O direito de não se sentir afrontado nunca existiu e jamais vai existir. Principalmente para quem o pretende.
      Porque essa gente tem apenas uma ambição, o controlo da expressão dos outros.
      O “backlash” para quem o tentar impôr normalmente é mortal.
      Larilas é uma palavra tipo “faggot”. Se o Ventura é um faggot, há muito faggot que não é Ventura.
      Tentar defender a liberdade de imprensa e a censura no mesmo textinho é coisa de “faggot”.

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