ONU apela à proibição global das “terapias de conversão”

A 29 de maio, Victor Madrigal-Borloz, especialista das Nações Unidas nas questões de orientação sexual e identidade de género, lança no seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, um apelo à proibição global de práticas de “terapia de conversão”.

No relatório, Victor menciona que “tais intervenções visam pessoas exclusivamente com base na orientação sexual e identidade de género, com o objetivo específico de interferir na sua integridade e autonomia pessoais“, que estas “estão enraizadas na crença de que as pessoas LGBT são de alguma forma inferiores – moral, espiritual ou fisicamente – e devem modificar a sua orientação ou identidade para remediar essa inferioridade“, e que por esses motivos, “as práticas de ‘terapia de conversão’ são inerentemente degradantes e discriminatórias“.

Em 2012, o Pan-American Health Organização (OPAS) observou que “a terapia de conversão” não possuí justificativa médica e que representava uma grave ameaça à saúde e direitos humanos das pessoas afetadas. Em 2016, a Associação Psiquiátrica Mundial constatou que “não há evidência científica sólida que a orientação sexual inata pode ser mudada”.

Em 2020, o Independent Forensic Expert Group (IFEG) declarou que oferecer “terapia de conversão” é uma forma de engano, propaganda enganosa e fraude.

No mesmo documento Victor afirma que “os métodos e meios vulgarmente utilizados para implementar práticas de ‘terapia de conversão’ levam a problemas psicológicos e físicos, dor e sofrimento, perda significativa de auto-estima, ansiedade, síndrome depressiva, isolamento social, dificuldade de intimidade, auto-ódio, vergonha e culpa, disfunção sexual, ideação suicida e tentativas de suicídio e sintomas de perturbação de stresse pós-traumático (PSPT)“.

Sendo assim, o especialista da ONU para além de apelar ao banimento das “terapias de conversão, este recomenda que os estados-membros da ONU: 

  • Tomem medidas urgentes para proteger as crianças e jovens de práticas de “terapia de conversão”.
  • Realizem campanhas para consciencializar figuras parentais, famílias e comunidades sobre a invalidez, ineficácia e os danos causados pelas práticas de “terapia de conversão”.
  • Adotar e facilitar serviços de saúde e outros serviços relacionados à exploração, desenvolvimento livre e/ou afirmação da orientação sexual e/ou identidade de género.
  • Promover o diálogo com as principais partes interessadas, incluindo organizações profissionais de saúde e medicina, organizações religiosas, instituições educacionais e organizações comunitárias, para aumentar a consciencialização sobre as violações dos Direitos Humanos relacionadas às práticas de “terapia de conversão”.

As alegadas “terapias de conversão” estiveram em discussão no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈, oiçam:


Em 2019, Portugal assistiu pela primeira vez a imagens de “terapias de reconversão ou reorientação sexual” de pessoas homossexuais, comparando a homossexualidade a um “surto psicótico”.

Em 2014, segundo o projeto “Saúde em Igualdade”, da Associação ILGA Portugal, em 11% dos atendimentos de saúde mental do grupo de pessoas LGBT estudado, foi sugerido que a homossexualidade pode ser “curada”.

E em 2015, o dezanove.pt denunciou que existiam profissionais de saúde mental em Portugal que defendiam as “terapias de correção da orientação sexual”.
Apesar de nitidamente presente no país e apoiada por parte de certas pessoas profissionais de saúde portuguesas, a “terapia de conversão” continua sem legislação contra a sua prática em Portugal. Na luta por este posicionamento está atualmente disponível uma petição com esse objetivo que pode ser assinada e divulgada ao clicar aqui.

Num contexto similar de tentativa de conformar pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo) às normas de género, Portugal continua a não proteger corretamente as pessoas intersexo.

Exceto em situações de risco comprovado para a saúde da pessoa menor intersexo, intervenções médicas para a alteração das características sexuais não são permitidas em Portugal pela lei 38/2018 “até que a identidade de género da pessoa em causa seja manifesta”.

Porém, segundo Dan Christian Ghattas, diretor-executivo da OII Europe, “a lei, como é, não é forte o suficiente para proteger as crianças intersexo contra uma violação da sua integridade corporal“. Pois, “ao invés de proibir todas as intervenções médicas desnecessárias em menores de idade intersexo, a lei se refere ao ‘momento em que a identidade de género da pessoa se manifesta’como ponto de partida após o qual as intervenções devem ser realizadas com o consentimento expressado e informado da pessoa, através dos representantes legais da pessoa”.

A lei não estabelece como a “manifestação” da identidade de género de um menor deve ser estabelecida. Nem é necessário provar se a criança tem capacidade para consentir com essas intervenções médicas. Sendo assim a lei não impõe um limite legal à capacidade das crianças intersexo de consentir intervenções médicas invasivas e irreversíveis. Existindo um alto risco das figuras parentais e médicas de crianças intersexo declararem ou acreditarem que a identidade de género da criança se “manifestou”, de modo a realizar intervenções diferidas e irreversíveis nas características sexuais delas.

A luta pelos Direitos Humanos das pessoas LGBTI+ não pode parar até as protegermos corretamente da discriminação pela sua orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais.

Como tudo em termos jurídicos, se não está proibido nunca se sabe o dia de amanhã. (Marta Ramos, diretora executiva da ILGA Portugal, 2018)

Pedro Valente


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