Futebol: No campo milionário e machista discriminam-se as mulheres com teto salarial

A pandemia da COVID-19 aparentemente justifica a decisão da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) na imposição de um teto orçamental exclusivo para equipas femininas. Se o mundo futebolístico é visto como largamente machista e onde as modalidades femininas ainda são invisibilizadas, nos últimos anos as jogadoras têm batalhado contra a discriminação remuneratória.

A indignação das futebolistas portuguesas levou à criação do movimento Futebol Sem Género que se posicionou contra o limite salarial de 550 mil euros que a FPF impôs para os plantéis do principal escalão. Esta é uma posição que classifica como “discriminatória”:

É perante esta determinação que, as aqui requerentes, se têm de opor veementemente, fazendo-o não apenas porque são interessadas, mas sobretudo porque tal medida é, avassaladoramente, violadora dos seus direitos individuais enquanto jogadoras de futebol, tuteladas pela Lei, mas, sobretudo, violadora dos direitos humanos protegidos ao nível nacional e internacional.

A determinação de um limite máximo para a massa salarial do futebol feminino, sob a capa da trágica situação de saúde pública que hoje vivemos, para além de eticamente censurável, é total e ostensivamente discriminatória.

Entre as preocupações manifestadas pelas futebolistas, está igualmente a possível diminuição dos níveis de competitividade no país, na medida em que será mais difícil atrair jogadoras estrangeiras de qualidade. As jogadoras portuguesas dizem sentir-se “injustiçadas” não só no que toca à massa salarial, mas também à “logística, condições de treino, viagens e tratamento médico”.

Cláudia Neto, que se sagrou este ano campeã da Alemanha pelo Wolfsburgo, Dolores Silva (Sp. Braga), Ana Borges e Nevena Damjanovic (Sporting), Sílvia Rebelo, Thembi Kgatlana e Darlene (Benfica) são algumas das 132 signatárias do documento partilhado pelo movimento Futebol Sem Género e que acusam ainda a FPF de falhar “positiva e clamorosamente na promoção da igualdade de género”.

Carla Couto, embaixadora e delegada do Sindicato de Jogadores para o futebol feminino, deixou uma mensagem às atletas onde abordou esta notícia. A antiga internacional garantiu que não se trata de discriminação, explicando que há negociações para um contrato coletivo de trabalho e que esta é uma medida “transitória” para condições excecionais motivadas pela COVID-19.

O PCP solicitou uma intervenção do Governo sobre o tema, questionando a ministra do Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo: “Tem o Governo conhecimento da discriminação descrita? Que medidas irá tomar para resolver esta situação e situações futuras de discriminação no futebol e no desporto?”. O partido considera ser “justificada a contestação por parte das jogadoras e muitos outros atletas” contra o que reputa de “grave discriminação”.

Num ambiente desde logo extremamente desigual, um teto salarial às jogadoras serve hoje apenas para perpetuar a desigualdade que existe nos campos de futebol por todo o país. Em vez de trabalhar no sentido da convergência salarial, e em especial quando a pandemia tem atingido com especial força o emprego entre as mulheres jovens, a decisão da FPF vai no sentido contrário e piora assim ainda mais as atletas e as suas qualidades e feitos desportivos. Portugal também é representado pela forma como trata os seus ícones e a sua mensagem é aqui clara: as nossas atletas valem, por decreto, menos que eles.

Atualização 25 de junho 2020:

A Federação Portuguesa de Futebol anunciou que chegou a um entendimento com o Sindicato dos Jogadores para abandonar a proposta de aplicar um teto salarial ao futebol feminino.

O movimento Futebol Sem Género, criado pelas jogadoras de futebol feminino em Portugal, disse ver “com naturalidade” o recuo da FPF anunciado esta quarta-feira, mas lamentou que este organismo “continue a entender que a imposição deste teto, somente aplicável ao futebol feminino, não encerre em si mesmo violações crassas dos direitos das jogadoras“.

Pena é que a FPF não alcance, ainda, a gravidade das suas intenções e a dimensão da perda de confiança que a defesa da desigualdade sempre acarreta — no presente, e no futuro – o que obriga o Movimento Futebol Sem Género a continuar alerta contra estas e outras violações.

Fonte: Imagem.


Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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