O Império Drag Race e O Problema Da Representação

Muito se tem dito sobre o atual estado de RuPaul’s Drag Race e da necessidade de seguir um caminho diferente. Doze anos depois de ter iniciado a revolução da representação queer no pequeno ecrã, o drag é hoje em dia uma máquina de fazer dinheiro totalmente aceite pelo mainstream. Inumeráveis spin-offs surgiram do programa, RuPaul tornou-se uma figura extremamente respeitada da indústria e as drag queens já não são hoje em dia simples rainhas de bairro, mas estrelas reconhecidas por todo o mundo.

Por isso talvez seja altura de outra revolução. Apesar de ter falado numa mudança de anfitriã, creio que isso não é suficiente e a própria produção do programa necessita de lutar veementemente por uma inclusão que tarda a chegar. Apesar de as últimas vencedoras da versão original americana, Shea Coulée e Jaida Essence Hall, serem duas rainhas negras, isso pareceu só acontecer depois de anos de críticas sobre algumas tendências racistas do programa e, principalmente, por parte do fandom adjacente ao mesmo. Durante inúmeros anos, rainhas não-brancas foram alvos de bullying gigantesco online, sem grande caráter didático por parte de RuPaul e restante produção em relação ao mesmo. Ainda na passada temporada de All Stars vimos uma rainha branca, India Ferrah, a mentir descaradamente para tirar do concurso uma rainha latina de Porto Rico, a incrível Alexis Matteo. Conseguiu.

Jaida Essence Hall, Shea Coulée e Priyanka – as vencedoras de Drag Race de 2020

Aliás, RuPaul, a revolucionária drag queen dos anos 80 e 90, parece ter nela muito pouco ativismo e vontade de promover outro tipo de representação queer. Ao contrário do que vemos em concursos alternativos — como o incrível Dragula, dos The Boulet Brothers — a integração de mulheres cis ou trans, sendo as últimas a origem do movimento LGBT moderno, é totalmente inexistente em Drag Race. Entretanto surgiram versões de Drag Race um pouco por todo o mundo. A versão inglesa, apesar de ultradivertida, despachou as rainhas não-brancas do programa nos primeiros episódios. A versão da Tailândia continua a ser muito pouco divulgada e só agora se tornou disponível na plataforma streaming da produtora de RuPaul, WoWPresents. 

Esta semana terminou também a primeira temporada de Drag Race Canada, a mais diferente de todas as outras versões do programa, dada a ausência de RuPaul enquanto anfitriã do programa. O sistema rotativo de júri principal claramente não resultou, e o júri fixo foi alvo de críticas por alguma falta de conhecimento da realidade drag. Mas o episódio de makeover foi mais representativo que qualquer outro episódio do franchise nos passados cinco anos: em parceira com a Rainbow Railways, uma associação de apoio à refugiados LGBT no Canadá, mostrou histórias de vários homens gay que encontraram um oásis de aceitação neste país quando no de origem eram perseguidos e mortos. E apesar de alguns tropeções e escolhas não-tão-objetivamente erradas (a expulsão prematura de Jimbo ainda dói), coroaram a rainha certa, Priyanka, de ascendência sul-asiática, antiga apresentadora de um popular programa televisivo para crianças fora de drag e agora uma performer completa e extremamente afável, hilariante e deslumbrante. 

Drag Race tornou-se um bastião da comunidade gay e como esta se vê representada em televisão. Um autêntico cultural reset. É altura de fazer outro. Porque se o G se esquece das outras letras de LGBT(I), a distância torna-se ainda mais longa, e o caminho mais tortuoso. É altura de aprendermos com a nossa História.

Landon Cider, drag king vencedor da terceira temporada de Dragula

Nota: Texto revisto pela Ana Teresa.