Ontem foi assinalado o Dia Internacional da Saúde Mental, mas não escrevi sobre ele. Despertei de madrugada e não dormi mais, horas deitado na cama, a escuridão do quarto confundia-se comigo. Não são todos os dias, mas são demasiados em que me vejo preso àqueles lençóis que tanto os vejo uns dias como ninho como noutros os vejo como ardósia onde o meu corpo é pressionado e esmagado contra. Não é a pedra que me empurra, sou eu que nela me afundo. Sombrio refúgio.
Há dias em que nada consigo fazer para me levantar daquela cama, são horas seguidas em que não posso sequer dizer que haja um esforço, uma tentativa. Não basta ter força de vontade, não basta querer com muita convicção, porque é um estado amorfo que se impõe e o nada é a única resposta que me é possível. Resta-me ficar por ali, algures jogado naquela cama com o peso nos olhos a encerrá-los e eu com eles. São horas de uma luta invisível, de impotência e de sentimento de culpa. Vivo uma eternidade sem escape, exausto de mim próprio.
O apoio à minha saúde mental e o acompanhamento que tenho recebido tem-me permitido superar estes dias. Nalguns deles, é de sobrevivência que falo. Dia após dia. E se é um privilégio ter-me rodeado de pessoas e profissionais que me apoiam neste percurso, também tenho consciência que este é um privilégio que a maioria das pessoas não tem, porque a saúde mental ainda é subvalorizada pela generalidade da população, está sub e mal representada no nosso Sistema Nacional de Saúde e é tratada como tabu em contexto profissional. Basta ver a forma como no nosso dia a dia ainda usamos expressões estigmatizantes contra quem padece de doença mental ou como a comunicação social faz um aproveitamento sensacionalista e irresponsável quando acontece alguma tragédia desta natureza.
Sempre que acontecem estes episódios são dados passos atrás num tema que deve ser levado a sério e onde a empatia e a educação ainda pecam por descuido ou ignorância. Importa por tudo isto apostar numa resposta adequada à importância da nossa saúde mental, porque, afinal de contas, a saúde mental é saúde. E consegue ser em muitos casos mais debilitante que doenças ou problemas físicos, com a irónica agravante de ser, também muitas vezes, invisível a olho nu. Mas para nós é absolutamente palpável, sentimo-la no descomunal esforço que por vezes precisamos fazer para realizar a mais pequena das rotinas do dia a dia. E isso consegue ser absolutamente destrutivo.
No contexto LGBTI basta pensar no impacto que a LGBTIfobia tem nas nossas vidas, desde crianças que nos forçam a lidar com violência, pressão, minoração e ódio. Por mais proteção que possamos ter no nosso núcleo familiar ou de amizades, é algo que irremediavelmente tivemos que aprender a lidar, quase sempre a partir de uma idade em que não tínhamos desenvolvido as ferramentas e técnicas necessárias para nos protegermos devidamente de insultos, ataques ou negação daquilo que somos. Daí que a prevenção seja aqui também chave para que no futuro possamos ser pessoas LGBTI mais saudáveis e empoderadas.
Ontem eventualmente consegui sair daquela cama. O peso do meu próprio corpo era imenso, os joelhos vacilaram nos primeiros passos que dei e tive que me segurar à porta do quarto para não tombar. Qualquer raio de luz eram facas nos meus olhos. Mas tive a sorte deste episódio ter acontecido num dia em que combinara com umas amigas um almoço e, se já houve vezes em que nestas circunstâncias cancelei arranjando uma outra desculpa qualquer, ontem consegui arranjar a força para não o fazer. E fui. O almoço solarengo e animado por baixo de umas videiras salvou-me o dia. Hoje é um novo dia, um dia depois do Dia Internacional da Saúde Mental. E só hoje escrevo sobre ele, porque hoje tudo me é um pouco mais fácil.
A saúde mental esteve em destaque no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️🌈, não percam:
Linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal
Linha LGBT
De Quinta a Sábado, das 20h às 23h
218 873 922
969 239 229
SOS Voz Amiga
(entre as 16 e as 24h00)
213 544 545
912 802 669
963 524 660
Telefone da Amizade
228 323 535
Escutar – Voz de Apoio – Gaia
225 506 070
SOS Estudante
(20h00 à 1h00)
969 554 545
Vozes Amigas de Esperança
(20h00 às 23h00)
222 080 707
Centro Internet Segura
800 219 090
Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
Linha de apoio: 910 846 589
Email: apoio@quebrarosilencio.pt
Associação de Mulheres Contra a Violência – AMCV
Linha de apoio: 213 802 165
Email: ca@amcv.org.pt
Emancipação, Igualdade e Recuperação – EIR UMAR
Linha de apoio: 914 736 078
Email: eir.centro@gmail.com
Imagem por Johannes Krupinski.
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