Orçamento de Estado 2021: ILGA Portugal recomenda apoio a entidades LGBTI para que haja capacidade de resposta contra discriminação

Devido ao contexto de crise associada à Covid-19, que veio fragilizar ainda mais o contexto das vivenciais sociais das pessoas LGBTI, a ILGA Portugal apresentou um documento, endereçado aos partidos representados na Assembleia da República, várias propostas que considera deverem ser acauteladas no âmbito do Orçamento do Estado para 2021. 

Diz a Associação em comunicado que “todos os dias, um número incontável de pessoas são vítimas de discriminação e preconceito por se afirmarem ou serem percecionadas como LGBTI“, relembrando que em momentos de crise como a que Portugal vive atualmente, “esta situação é particularmente grave.

Os argumentos dados baseiam-se em diversos estudos recentes e o trabalho de terreno da ILGA Portugal que têm permitido documentar as formas como se exprime esta discriminação. Nomeadamente, “pessoas que são vítimas de agressões verbais constantes, excluídas de práticas de convívio e, em casos extremos – mas infelizmente não tão raros quanto se desejaria – alvo de agressão física ou expulsas de casa.

Na origem deste problema, diz a Associação, “está um preconceito negativo muito forte em relação à homossexualidade, à bissexualidade, à intersexualidade e à transexualidade“, tal como o desconhecimento sobre estas identidades. “A consequência“, prossegue, “é que as pessoas LGBTI apresentam riscos particularmente elevados de depressão, baixa auto-estima, abuso de substâncias, auto-mutilação, ideação e tentativa de suicídio” [a média estimada da ocorrência de tentativas de suicídio é de 2,15 vezes por pessoa]. Em situações de dificuldade e numa tentativa de pedido de ajuda, a ILGA Portugal afirma que estas pessoas “muitas vezes não têm a quem recorrer ou obtêm uma reação negativa ou desinformada por parte das fontes de suporte convencionais – família, educadoras/es, profissionais de saúde ou assistentes sociais.

A violência auto-dirigida pode manifestar-se de várias formas e a preocupação da ILGA Portugal é fundamentada por vários estudos clínicos. Entre eles, destaca um estudo feito pelo Suicide Prevention Resource Center (2008) onde foi apurado que jovens LGB apresentam 1,5 a 3 vezes mais probabilidade de apresentar ideação suicida do que jovens heterossexuais; 1,5 a 7 vezes mais probabilidade de ter efetuado uma tentativa de suicídio e que a falta de apoio familiar, bullying homofóbico e coming out precoce são fatores de risco que aumentam esta vulnerabilidade.

Noutro exemplo e segundo Cochran (2001) , uma das causas que aumenta o risco de sofrimento e angústia psicológica é o estigma social em que está envolta qualquer orientação sexual que não seja heterossexual, principalmente depressão e, por vezes, ansiedade.

Um outro estudo longitudinal feito na Nova Zelândia demonstrou que as pessoas LGB têm maior prevalência que as pessoas heterossexuais de depressão major, ansiedade e abuso ou dependência de substâncias entre os 14 e os 21 anos de idade.

No caso das pessoas trans, num estudo feito por Oncala, Miguel, António, Ansio, Banovio e Schafer (2004) , com cerca de 200 pessoas que se identificavam como transexuais, concluiu-se que 59,3% das mulheres trans e 40,7% dos homens trans já tinham pensado em suicidar-se em algum momento da sua vida (média de idade de 17,97 e 17,72 anos, respetivamente); e que 18,5% das mulheres trans e 11,5% dos homens trans já tinham feito uma tentativa de suicídio (sendo a primeira vez, em média, aos 20,75 anos e 19,90 anos).

De acordo com estudos recentes, as pessoas jovens adultas LGBT têm 120% maior probabilidade de experienciar situações de sem-abrigo que as pessoas jovens hetero/cis. É estimado pelas pessoas técnicas de terreno que cerca de 20-40% de jovens em situação de sem-abrigo seja LGBT, quando apenas cerca de 7-10% da população em geral se identifica enquanto LGBTQ.

1 em cada 10 jovens com idades compreendidas entre os 18-25, e pelo menos 1 em cada 30 adolescentes com idades compreendidas entre 13-17, experienciou alguma forma de situação de sem-abrigo sem o acompanhamento de uma figura parental ou representante legal, durante pelo menos 1 ano. Jovens LGBT têm 2,2% maior probabilidade de experienciar uma situação de sem-abrigo do que os seus pares heterossexuais e cisgénero.

Estes factos revelam o que já era sabido sobre o Eurobarómetro de 2019 relativamente à “Discriminação na União Europeia”, onde se confirma que “a orientação sexual é o motivo mais comum de discriminação em Portugal, com a maior parte das pessoas inquiridas a considerar normal esta forma de discriminação.

Os últimos anos têm testemunhado uma diversidade de conquistas legislativas e de política pública neste campo. No entanto, a ILGA Portugal considera que “as medidas legislativas não são suficientes para erradicar o preconceito e assim garantir o bem-estar e a segurança quotidiana da população LGBTI“. O número de pessoas a procurar apoio junto da ILGA Portugal após terem sido ameaçadas ou efetivamente expulsas de casa pela família ou cônjuges, o número de jovens a relatar situações de abusos verbais por parte de colegas com regularidade diária ou o número de pessoas LGBTI a declarar-se à beira do suicídio não têm diminuído após os referidos avanços legislativos. É por estas razões que a ILGA Portugal considera que “as políticas públicas têm de ser acompanhadas pela criação de estruturas específicas de apoio à população e pelo trabalho concertado nesse sentido.

Lembrando que em julho de 2020 a Assembleia da República aprovou a Resolução nº 69/2020 – Recomenda ao Governo o apoio às associações e coletivos de pessoas LGBTI –, a ILGA Portugal apresentou várias propostas que considera deverem ser acauteladas no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, “numa altura em que as pessoas LGBTI estão ainda mais expostas devido à crise associada à pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 / COVID-19, que – com a perda de segurança laboral e a obrigação de confinamento – provocou o regresso a contextos inseguros e perda de redes de segurança, muitas não puderam ser retomadas durante o processo de desconfinamento.

É neste contexto global e de fortes desafios para a população LGBTI em Portugal que a ILGA Portugal propõe que as seguintes medidas concretas sejam incluídas no Orçamento de Estado para 2021:

  1. Rede de Centros Temporários de Acolhimento de Emergência específicos para pessoas LGBTI
    A ILGA Portugal considera fundamental a criação de uma rede de Centros Temporários de Acolhimento de Emergência específicos para pessoas LGBTI, com instalações nas várias regiões do país, equipa técnica com formação adequada ao público e com a devida articulação com as Organizações Governamentais e Não Governamentais que atuam nesta área.
  2. Respostas na área da saúde
    A ILGA Portugal considera essencial a revisão das verbas alocadas ao Serviço Nacional de Saúde e o reforço das respostas específicas para as pessoas LGBTI, nomeadamente as pessoas Trans.
  3. Reforço dos programas e das verbas alocadas à formação para Professoras/es, Forças de Segurança, SEF e demais profissionais na área dos serviços em matéria LGBTI
    A ILGA Portugal propõe a previsão, no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, do reforço do número e das verbas dos programas de formação para Professoras/es, Forças de Segurança, SEF e demais profissionais na área dos serviços em matéria de proteção das pessoas LGBTI.
  4. Consulados
    A) Que o Ministério da Justiça / IRN assegure formações a funcionárias/os dos postos consulares nesta área, e faculte/dê acesso ao Modelo de Requerimento em uso ao MNE;
    B) Que o Ministério dos Negócios Estrangeiros elabore uma circular com vista à uniformização de procedimentos nos Postos da Rede Consular – nomeadamente o mero preenchimento do requerimento e reconhecimento da assinatura, para que cidadã/cidadão seja autónoma/o no envio do requerimento para os Serviços Centrais do IRN.
    C) A revisão da Tabela de Emolumentos Consulares por forma a deixar de constar o valor de 200,00€ de custo por alteração de nome próprio.
    D) Reformulação do Portal da Justiça, de modo a garantir que a subsecção Mudança de sexo e de nome próprio, constante da secção a IRN, passe a disponibilizar o Modelo de Requerimento para que cidadãs/ãos sejam mais autónomas/os no processo (quer em território nacional quer em territórios estrangeiros). Deverá ainda no mesmo menu colocar instruções para residentes no estrangeiro.
    E) Que o Ministério da Justiça / IRN aceite os pedidos de mudança de nome de pessoas menores de idade de acordo com o instituído na Lei, que residam no estrangeiro, tal como o processo se realizasse em território nacional.
  5. Financiamento para Organizações Não Governamentais LGBTI
    Que passe a estar incluída no Orçamento do Estado para 2021 uma dotação específica destinada às Organizações Não Governamentais LGBTI, seja para melhoria das instalações de atendimento, seja para a contratação de pessoas técnicas especializadas.

O comunicado da Direção da ILGA Portugal remata com: “O Estado Social mede-se também pela capacidade de proteger todas as suas pessoas.

Fotografia por Emily Webster.

Linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal

Linha LGBT
De Quinta a Sábado, das 20h às 23h
218 873 922
969 239 229

SOS Voz Amiga
(entre as 16 e as 24h00)
213 544 545
912 802 669
963 524 660

Telefone da Amizade
228 323 535

Escutar – Voz de Apoio – Gaia
225 506 070

SOS Estudante
(20h00 à 1h00)
969 554 545

Vozes Amigas de Esperança
(20h00 às 23h00)
222 080 707

Centro Internet Segura
800 219 090

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)

Linha de apoio: 910 846 589 
Email: apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência – AMCV

Linha de apoio: 213 802 165 
Email: ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação – EIR UMAR

Linha de apoio: 914 736 078 
Email: eir.centro@gmail.com

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