A Tolerância da Intolerância

Fui surpreendida na manhã do dia 18 ao ler a manchete “«Não aconselho a assumirem a homossexualidade enquanto ainda jogam»” no jornal A Bola, a respeito de um livro lançado pelo ex-futebolista Philipp Lahm. A triste e preconceituosa sugestão foi noticiada em vários pontos do globo. Diversos jornais e meios de comunicação demonstraram-se chocados com as afirmações de Lahm.

Fazendo uma análise de longa duração, o comportamento humano relativamente à homossexualidade tem conhecido posições bastante díspares. Se na Grécia antiga, era vista como natural (espantem-se!), ao longo dos tempos caminhámos para um extremo oposto. Esta divergência comportamental está relacionada com a ascensão da Igreja Católica e dos valores defendidos por essa instituição. Sendo o casamento heterossexual um ritual sagrado, tudo o que atente esse empreendimento foi durante séculos alvo de descrédito, difamado e estigmatizado tanto quanto possível. Essa campanha foi tão bem-sucedida que ainda hoje, em pleno século XXI, padecemos desses preconceitos. O sociólogo Norbert Elias explica todas estas, e outras questões, muito melhor que eu, na sua obra incontornável “O Processo Civilizacional”. Nele aborda e discute conceitos como a construção da tolerância e intolerância, bem como a civilização dos costumes ao longo do tempo.

Quero com tudo isto dizer que acredito que vivemos numa época de transição. De maneira geral, estamos mais recetivos à abordagem e tolerância de questões que na geração dos nossos pais eram ainda tabus. Falo particularmente da homossexualidade. Apesar disso, essa caminhada para uma sociedade mais tolerante conhece muitas vezes retrocessos. Considero este marcar de posição de Lahm um retrocesso. Quando um homem branco heterossexual mundialmente famoso, portanto o expoente máximo dos privilegiados, assume publicamente uma posição destas, é preocupante. Porque as suas palavras serão ouvidas, sem grande esforço, por milhões de pessoas. Quantas destas pessoas são jovens em idades facilmente impressionáveis cujas declarações homofóbicas terão um impacto negativo? Quantas dessas pessoas estão a passar um mau bocado com medo de viverem a sua sexualidade livremente? 

O que podemos retirar das palavras de Lahm, é que, um discurso homofóbico e discriminatório por parte de uma figura conhecida é socialmente desculpável e muitas vezes aceite. E é chocante que tal aconteça em pleno século XXI. Muito possivelmente nos próximos dias irá surgir um pedido de desculpas, ou justificações da carochinha. Ou então não. A questão é que caso surja o tal pedido de desculpas, pessoalmente acredito que será motivado por ter sido inconveniente e não por Lahm estar de facto ciente do alcance das suas palavras. Todos erramos. Acho que Lahm foi infeliz e ignorante. No que toca à ignorância, é relativamente fácil, eduquemo-nos. 

Não posso deixar de falar no futebol feminino que contrasta com o mundo do futebol masculino nestas questões. O posicionamento de Lahm relativamente à homossexualidade vem consolidar a ideia de que no futebol masculino a homossexualidade ainda é um assunto tabu. Enquanto que no futebol feminino é visto e tratado com muito mais liberdade e naturalidade. Como aliás devia ser vivido em todas as vertentes sociais. Fica difícil fugir ao tema da masculinidade tóxica e da fragilidade masculina. Não consigo perceber como é que a sexualidade de um jogador pode influenciar a sua integração numa equipa. Porque esta em nada interfere com o jogo e as capacidades do ou da jogadora. 

Para finalizar, contrariamente ao que Lahm sugere, que os homossexuais fiquem no “armário”, eu sugiro que comentários deste género não saiam do rascunho. Assim como quem varre para debaixo do tapete, deixem-nos lá ficar.


A intolerância e o armário no futebol estiveram em discussão no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈

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3 comentários

  1. Então, mas quando alguém, no caso Philipp Lahm dá um conselho e exprime a sua opinião é homofóbico?! A Sra. D. Amélia Lisboa considera-se uma pessoa tolerante?! E aquilo que a senhora afirma sobre “os valores defendidos pela Igreja Católica”, como se pode classificar?! Não está a acusar a Igreja sobre algo que não concorda?
    A Igreja ensinou aquilo que achava certo.
    Cuidado porque pode começar a aparecer, no vocabulário comum a palavra “cristofobia” ou algo semelhante.

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