
“Portugal não é racista.
Portugal não é machista.
Portugal não é fascista.
Portugal não é homofóbico.
Portugal não é xenófobo.
Portugal não é opressor nem violento.
Portugal está bem.”
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E hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
O que compromete um bocado as coisas.
Nesse cenário de fingimento, Portugal não vê cores, não vê orientações sexuais, não vê diferença. A diferença é um acaso sem importância. A identidade é algo que põe em causa essa ausência de coisas más que devemos subscrever em massa. A história e visibilidade de uma comunidade não é relevante para o panorama global, cuja uniformidade e coesão nunca deve ser posta em causa.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
E isso quer dizer que as lésbicas querem ser vistas, querem mostrar-se, querem sentir orgulho e não medo ou vergonha.
Mas, nesse cenário de fingimento, a sua especificidade enquanto mulheres lésbicas deve ser integrada no geral maior, abrangente e não exclusivista. Não deve ser visível por si mesma, antes assimilada e perder-se na luta genérica e não identitária. Essa nossa vontade, enquanto mulheres lésbicas, enquanto mulheres, é mais uma das responsáveis por transformar fascistas em fascistas. Pois, nesse cenário de fingimento, a luta identitária e interseccional obriga pessoas “de bem” a tornarem-se opressoras e até violentas. Ficam sem alternativas a não ser defender-se da diferença, pois para as coisas estarem bem convém que ninguém se mostre mal.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
Mas é possível que grande parte das pessoas não queira saber que és lésbica. E se fores visível fica mais difícil. É possível que grande parte das pessoas prefira que faças o que tens a fazer invisivelmente, na privacidade do teu lar ou melhor ainda do teu quarto. É possível que a maior parte das pessoas não queira saber e não pondere sequer a necessidade.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
Eu tenho 44 anos e cresci sem lésbicas visíveis. E a cria de 14 anos perguntou-me: “se não havia referências, se não havia ninguém que conhecesses, como é que sabias? Como é que sabias que eras lésbica e que outras mulheres podiam ser?” É uma boa questão. Sabia e não sabia. Sabia que era mas não sabia como ser, porque só havia eu.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
Hoje não quero agradecer nada, quero exigir tudo.
Hoje, como ontem 25, quero lutar. 26 é mais um dia de abril.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
E a luta identitária é fundamental na luta pela igualdade e pela liberdade. Só assumindo e reclamando a nossa identidade podemos construir uma sociedade mais igual, mais justa, mais diversa e mais livre. A interseccionalidade é a única aliada que podemos ter, criando as pontes entre as diferentes identidades que enriquecem a nossa sociedade, fazendo visível a diferença sem medo de nos perdermos na mistura e no encontro.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
Portugal é misógino e lesbofóbico, embora nem saiba bem o que isso é. Porque se reprime, não faz auto-análise, não se reconhece. E só com auto-análise e reconhecimento podemos mudar e crescer.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
Quem escreve a história? Quem diz que tudo está bem? Não serão mulheres. E muito menos lésbicas.
Foi Salazar quem disse, defendendo a política colonial, “Está tudo bem assim, e não podia ser de outra forma.”
Pode ser de outra forma. Aliás, tem de ser de outra forma.
E talvez assim, juntas, visíveis, em luta, façamos por estar realmente bem.
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Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica.
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