William Dorsey Swann: A História da primeira Drag Queen que nasceu na escravidão

Charles Gregory e Jack Brown, uma dupla pioneira da vaudeville americana que causou sensação quando introduziram a “cake walk” em Paris em 1902. A dança, que incluiu movimentos exagerados e elementos cómicos, foi desenvolvida em meados do século XIX em plantações de escravos no sul dos EUA. O casal vencedor recebia prémios de pastelaria doce ou pratos assados. A dança era frequentemente realizada em drag balls, incluindo os eventos organizados por William Dorsey Swann.

William Dorsey Swann, nascido em Maryland, nos Estados Unidos da América em 1858, foi um ativista pioneiro na defesa dos direitos da comunidade Queer. Tornou-se a primeira pessoa da América do Norte a liderar um grupo de resistência queer, quase um século antes da revolta de Stonewall, bem como a primeira pessoa do mundo a autointitular-se drag queen.

Nascido cinco anos antes da abolição da escravatura em 1863, viveu como escravo na infância. Após conquistar a liberdade, Swann foi preso diversas vezes, uma delas sob acusação de “falsificação de identidade feminina”, em 1888.

Após a Guerra Civil e a conquista da liberdade por parte da população escravizada em 1862, a sua família pôde comprar um lote de terreno para construir a sua própria fazenda. O primeiro emprego de Swann foi num hotel. Em 1880 mudou-se para Washington. Swann nunca frequentou a escola, mas aprendeu a ler e a escrever durante o seu tempo livre enquanto trabalhava numa universidade.

Durante as décadas de 1880 e 1890, Swann organizou uma série de bailes, precedentes dos famosos ballrooms que se tornariam numa das imagens mais fortes do movimento queer cem anos mais tarde em Nova Iorque. Nesses bailes, homens, geralmente negros, reuniam-se para dançar e desfilar com os seus vestidos. Foi nesses bailes que Swann se auto-intitulou uma rainha do drag, ou, na expressão moderna drag queen. Tornou-se assim na primeira pessoa da história a fazê-lo.

William Dorsey Swann foi preso diversas vezes

Como os seus bailes eram secretos, os convites eram também feitos discretamente, como por exemplo, em reuniões da juventude cristã. Os bailes drag de Swann aconteceram escondidos durante anos até que em 1887 foram descobertos. A 14 de janeiro a polícia de Washington invadiu uma das reuniões de Swann e prendeu pelo menos seis homens negros. O jornal Washington Critic noticiou: “Seis homens de cor, vestidos com elegantes roupas femininas, foram denunciados no banco dos réus no Tribunal de Polícia esta manhã, sob a acusação de serem suspeitos […]. Quase todos usavam vestidos de seda de gola baixa e manga curta, vários deles com espartilhos, saltos e tudo o que é necessário para completar a vestimenta de uma mulher“. As notícias dos jornais tornaram mais difícil para Swann e os seus amigos ficarem escondidos daqueles que procuravam prejudica-los, mas permitiram que o grupo ficasse amplamente conhecido na comunidade Queer, despertando assim o interesse de mais homens que queriam juntar-se ao grupo.

Em 12 de abril de 1888, Swann e o seu baile sofreram um novo ataque policial. De acordo com reportagens da época, cerca de 17 convidados escaparam do baile, mas Swann resistiu e tentou enfrentar um dos policiais gritando-lhe: “Você não é um cavalheiro!”. Em seguida, entrou em luta corporal com a polícia, tendo o seu vestido sido rasgado. Essa luta é considerada hoje em dia como um dos primeiros casos da história de resistência violenta em nome dos direitos LGBTQ. Naquela noite, Swann, juntamente com outros 12 homens, foi levado preso por “falsificação de identidade feminina“.

Em 1896, por organizar bailes drag, foi falsamente acusado de “manter uma casa desordenada”, um eufemismo para bordel, sendo condenado a dez meses de prisão. Embora a acusação fosse infundada, o promotor reconheceu que foi imposta como castigo pelas relações sexuais de Swann com outros homens e pelo seu “mau exemplo na comunidade“. No julgamento, o juiz lamentou não poder sentenciar uma pena mais severa, ao afirmar que “gostaria de enviá-lo para um lugar onde você nunca mais veria o rosto de um homem e depois gostaria de livrar a cidade de todas as outras pessoas como você“. Swann recorreu da sentença e pediu perdão presidencial, mas o pedido foi negado. Este pedido tornou-se na mais antiga ação legal registrada por um americano com vistas a defender a comunidade Queer.

Incapaz de encontrar emprego devido a má reputação que adquiriu por ser drag, Swann deixou Washington e retornou a sua terra natal em 1900. Após parar de realizar o seu drag, Daniel J. Swann, o seu irmão mais novo, continuou a forneceu fantasias para a comunidade de drag queens. Além disso, dois dos irmãos mais novos de Swann também eram drags e participavam nos seus bailes. Swann morreu em 1925, em Hancock, Maryland. Após a sua morte, as autoridades locais incendiaram a sua casa.

William Dorsey Swann, além de pioneiro como ativista pelos direitos LGBTIQ e primeira auto-intitulada drag queen do mundo, serviu de inspiração a outras notáveis ​​drag queens de Washington do início do século XX como Alden Garrison e “Mother” Louis Diggs.

A nossa história mostra, vezes sem conta, como as identidades LGBTI e Queer pertencem à própria humanidade, aliás, está-nos nos genes. Aprendamos a celebrá-lo e a não esquecer quem deu os primeiros passos nesta luta.


O CENTÉSIMO OCTAGÉSIMO QUINTO episódio do Podcast Dar Voz A esQrever 🎙️🏳️‍🌈 é apresentado por nós, Pedro Carreira e Nuno Miguel Gonçalves. Estamos uma semana atrasados mas não vamos colocar a culpa em ninguém senão o Nuno. Ainda ressacados da visita da Madonna, falamos… purum, de religião. Começamos pelas tentativas da Embaixada de Israel em Portugal de recrutar aliados na comunidade LGBTI e falamos nos novos desenvolvimentos na Igreja Católica e caminho (tortuoso) de aceitação de pessoas trans. No meio falamos de terapias de conversão, da Jamie Lee Curtis, mommy issues e ainda temos tempo de Dar Voz A… Baldur's Gate 3, o jogo do ano (?) para consolas e PC. Artigos mencionados no episódio: rede ex aequo denuncia tentativa de instrumentalização da comunidade LGBTI por parte de Israel Papa Francisco confirma que pessoas trans podem ser batizadas e ser padrinhos ou madrinhas, mas desde que “não haja risco de gerar escândalo público ou desorientar fiéis” Sobreviventes de ‘terapias de conversão’ falam sobre as suas experiências em novo documentário: “quase destruiu a minha vida” Jamie Lee Curtis critica a homofobia e a transfobia ’em nome da religião’ Jingle por Hélder Baptista 🎧 Este Podcast faz parte do movimento #LGBTPodcasters 🏳️‍🌈 Para participarem e enviar perguntas que queiram ver respondidas no podcast contactem-nos via Twitter e Instagram (@esqrever) e para o e-mail geral@esqrever.com. E nudes já agora, prometemos responder a essas com prioridade máxima. Podem deixar-nos mensagens de voz utilizando o seguinte link, aproveitem para nos fazer questões, contar-nos experiências e histórias de embalar: https://anchor.fm/esqrever/message 🗣 – Até já unicórnios  — Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/esqrever/message
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4 comentários

    1. Pedro Carreira – Portugal – Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc
      Pedro Carreira diz:

      Muito obrigado pelo reparo, André!
      Lamento o lapso do nosso lado e atualizei o artigo de forma a explicitar, logo no início, quem está presente na montagem das fotos e enquadrando-as com a história contada no artigo.
      Forte abraço!

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