Como Kim Wexler se elevou a ícone feminista em Better Call Saul

Kim Wexler, a personagem protagonizada por Rhea Seehorn em Better Call Saul, tornou-se ao longo das temporadas do aclamado spin-off de Breaking Bad, um ícone de força e determinação. O interesse pelo desenrolar da sua história tem vindo a subir quando está prestes a estrear a derradeira temporada de Better Call Saul. Nela seguimos Jimmy McGill anos antes de este se tornar no advogado que conhecemos na série original pela sua irreverente persona Saul Goodman, uma mudança de identidade que o leva a lidar com pessoas perigosas da pior forma.

Não diferente de Kim, também o conceito de vilão e de herói se esbatem quando falamos de Jimmy/Saul. Vale por isso a pena abordar Kim, em como ela se elevou, para o bem e para o mal, a ícone feminista e sem esquecer como o seu rabo-de-cavalo se tornou em imagem de marca.

Kim Wexler é uma personagem enigmática, mas quem assistiu a Better Call Saul teve um vislumbre do seu passado durante uma entrevista de emprego na segunda temporada. Kim revela que é originalmente de uma pequena cidade de onde decidiu sair por ter olhado em redor e percebido que ia acabar “casada com o tipo que dirigia o posto de gasolina da cidade. Talvez no caixa no Hinky Dinky… Eu só queria outra coisa.” O entrevistador pergunta-lhe então “o que queria?” Kim Wexler responde com uma simples palavra: “Mais”.

Depois de Skyler White, as expectativas sobre Kim Wexler eram tremendas

Tenho de confessar, fui fã acérrimo de Breaking Bad e Skyler White, interpretada por Anna Gunn, conquistou-me logo no primeiro episódio com o seu presente de aniversário ao marido Walter White. Ela foi divisiva entre fãs da série original, mas o papel de mulher forte que era capaz de fazer frente a Walter marcou o percurso da aclamada série criada por Vince Gilligan. Sem a presença de Skyler, como iria então o spin-off preencher essa lacuna?

A resposta surgiu com a estreante Kim Wexler, advogada na empresa onde trabalhava Jimmy como responsável do correio e que posteriormente se tornaram colegas de profissão quando Jimmy tirou um curso à noite de advocacia. Depois tornaram-se também um improvável mas unido casal.

Esta é, no entanto, uma personagem bastante distinta de Skyler. Quer no seu temperamento profundamente racional e profissional (em contraste absoluto com Jimmy), quer na forma como nos é apresentada em modo crescente de tensão. Kim Wexler é literalmente levada ao limite em Better Call Saul, ainda para mais quando sabemos que no futuro ela não aparece no mundo de Breaking Bad. Esta incógnita tem levado a tensão sobre o desenlace da sua história ao rubro.

De certa forma, Kim incorpora o sonho feminista. Rejeitou o caminho tradicional do casamento e da família, tendo apostado na sua realização profissional e independência. Formou-se em direito e conseguiu um emprego num grande escritório de advocacia. Mas, tal como afirmou em jovem, Kim Wexler queria realmente “mais” e acabou por sair desse escritório para se lançar de forma independente.

Kim Wexler não é perfeitinha e ainda bem

Estas escolhas, tal como nas nossas vidas, estão longe de perfeitas. Não nos deixemos enganar, Kim Wexler não é uma personagem perfeita, ou antes, perfeitinha. Longe disso. E provavelmente por isso mesmo é tão humana e carismática para quem a vê a tomar as decisões da sua vida. Decisões essas que tanto são alimentadas pela ambição de sucesso profissional, como pelos seus sentimentos por Jimmy. Nela sentimos a dicotomia no momento da sua escolha e muitas vezes é no sentido contrário ao que poderíamos esperar, mas, de certa, forma, Kim nunca deixa de ser verdadeira à sua encruzilhada.

J.R.R. Tolkien, autor da trilogia O Senhor dos Anéis, teve uma observação relevante sobre mulheres que são descritas como “economicamente independentes“. Ele escreveu: “Geralmente significa, na realidade, uma subserviência económica a empregadores homens, em vez de a um pai ou a um marido“.

São estas incoerências, que não deixam de ser sentidas pela própria Kim Wexler em Better Call Saul nas suas lutas internas e externas, nas suas frustrações com os vários homens que a rodeiam, que a tornam uma personagem tão real. É contra o seu chefe que ela tenta provar o quão profissional e incansável é quando este, em momentos-chave, a descarta. É contra Jimmy que sabota constantemente a parceria profissional conjunta que mantêm. Kim tenta seguir o seu caminho, mas sem sentir na pele a traição pessoal e de um sistema que sobrevaloriza o homem.

E ela sabe-o, mas, por trás da sua máscara de ética inabalável, existe também uma mulher, uma pessoa com desejos emocionais e fragilidades que apenas a tornam humana e palpável aos olhos de quem assiste a série. Ela não é perfeita, mas também recusa o papel de vítima por ser mulher, porque acredita que irá alcançar o desejado e merecido sucesso um dia. Eventualmente.

Mais do que um mero penteado: o rabo-de-cavalo é um espelho da personagem

Pode parecer um pormenor e até uma futilidade, mas a verdade é que, ironias das ironias, o cabelo de uma mulher merece aqui um apontamento de destaque. É que o rabo-de cavalo de Kim Wexler tornou-se também ele numa imagem de marca e um ícone associado à personagem e aos seus estados de espírito.

Quando Wexler se encontra determinada e focada, o rabo-de-cavalo surge-nos como uma extensão da sua força. Levemente rodado, as cenas que acompanhavam a personagem pelas costas tornavam-no num espelho para a mesma. Por outro lado, nos momentos de maior fragilidade e frustração, também ele surge tosco, desamparado e murcho.

Estes detalhes permitem-nos entender a personagem e abrem uma porta direta para o seu humor e auto-estima. Simbolicamente, oferecem-nos uma leitura diferente daquilo que Kim Wexler possa dizer ou fazer em determinada cena. O rabo-de-cavalo é aqui tanto a confiança como o grito de desespero de Kim e nunca trai quem o vê.

À espera de um final digno

A temporada final de Better Call Saul estreia a 18 de abril (19 de abril na Netflix Portugal) e contará com o regresso das personagens Jesse Pinkman e Walter White, interpretados por Aaron Paul e Bryan Cranston, respetivamente.

Uma das grandes questões em aberto é o que acontecerá a Kim Wexler, dado que a mesma não apareceu em Breaking Bad. O grau de respeito é tal que fãs exigem um final digno de Kim. Depois de tudo o que ela aguentou, por tudo o que ela representou, talvez o melhor que poderá acontecer será afastar-se de Jimmy McGill e do seu Saul Goodman. Será?

Kim Wexler pode não ser uma personagem tradicionalmente “feminista”, mas não deixa nunca de ser uma mulher forte e a debater-se por escrever a sua própria história. Nas palavras de Kim a Jimmy, depois de todos os erros cometidos, quantos deles por amor?, ela responde-lhe: “Tu não me salvas. Eu salvo-me a mim própria.” Assim espero.


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Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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