Como o surto de Monkeypox se está a expandir e como a prevenção e a deteção são essenciais para o parar

Como o surto de Monkeypox se está a expandir e como a prevenção é essencial para o parar

Numa altura em que foram confirmados 515 casos de infeção por Monkeypox em Portugal e depois de uma primeira reação com contornos homofóbicos, importa perceber por que o surto de Monkeypox está, desta vez, a afetar principalmente, mas não só, homens que têm sexo com homens.

Passado mais de dois meses dos primeiros casos conhecidos, já há milhares de casos em vários países europeus, continente que viu os números de infeção triplicarem nas últimas semanas. Surgiu entretanto um estudo de modelagem epidemiológica, pela London School of Hygiene & Tropical Medicine que aponta que o vírus pode ter entrado em redes sexuais altamente interligadas dentro da comunidade de homens que têm sexo com homens (HSH), onde se pode espalhar de maneiras que não pode na população em geral. Importa referir que, embora publicado na Science, o estudo carece ainda de subsequente validação científica, Este estudo sugere também que o surto continuará a crescer rapidamente se a propagação não for reduzida e em como devem ser protegidas as pessoas em maior risco e limitar a propagação. O risco para a população em geral permanece atualmente baixo.

É importante reforçar que o vírus Monkeypox não é exclusivo dos homens que têm sexo com homens. Também pode infetar e ser disseminado na população geral através do contacto próximo, incluindo o contacto sexual. Em Portugal foi confirmado o primeiro caso neste surto de infeção de uma mulher esta semana.

Há, no entanto, muitas incertezas e a comunicação é preocupante devido risco de estigmatizar os HSH e porque abordar abertamente práticas sexuais é ainda difícil: “Temos que falar mais sobre sexo”, disse o epidemiologista e ativista Gregg Gonsalves. “A questão é que ainda precisamos lidar com o risco de infecção na nossa comunidade”, continuou.

Mais de 7.000 casos de infeção por Monkeypox relatados

Desde o início de maio, mais de 7.000 casos de infeção por Monkeypox foram relatados em mais de 30 países onde o vírus não é encontrado habitualmente. Segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS), os casos notificados no atual surto foram na sua maioria detetados em homens que têm sexo com homens, embora a transmissão também tenha sido documentada noutras pessoas. A forma de apresentação e disseminação da infeção sugere que a transmissão esteja a acontecer por contacto próximo, incluindo relações sexuais.

A Organização Mundial de Saúde traçou esta semana um primeiro perfil de pessoas afetadas por Monkeypox. 99,5% são homens, com idade média de 37 anos. Cerca de 60% revelaram a sua orientação sexual, identificando-se como gays, bissexuais ou que fizeram sexo com outros homens, de acordo com o relatório.

No entanto, este poderá ser um quadro distorcido da realidade. “Homens que têm sexo com homens têm um melhor relacionamento com equipas clínicas do que homens heterossexuais”, disse Lilith Whittles, epidemiologista do Imperial College of London. Tal pode significar que eles são mais propensos a relatar sintomas de Monkeypox e fazer o teste para o vírus. “Não sei se estamos necessariamente a procurar o suficiente nas redes heterossexuais para concluirmos que este não é um problema mais amplo”, diz Boghuma Titanji, virologista da Universidade de Emory.

Afinal, não haverá viés de verificação

Apesar dos cuidados iniciais, as posteriores pesquisas têm clarificado quanto à questão do potencial viés de quem deteta e comunica a infeção. Atualmente, a maioria das equipas de investigação diz que é improvável que um “viés de verificação” explique o padrão. Embora alguns pacientes com Monkeypox tenham infecções leves que podem ser perdidas ou diagnosticadas erroneamente, outros têm erupções cutâneas muito características e dores agonizantes que requerem hospitalização para o tratamento da dor. Se muitas pessoas fora da comunidade HSH estivessem infetadas, já teriam aparecido nas estatísticas.

Ashleigh Tuite, epidemiologista de doenças infecciosas da Universidade de Toronto, diz que “entende a hesitação” no foco em homens que têm sexo com homens, dado o risco de estigma que pode piorar a discriminação e fazer com que aqueles que são afetados pela infeção atrasem a procura de cuidados médicos. “Mas, com base nos dados que temos e no rastreamento de contactos que foi feito, está muito claro que este é um surto focado em HSH neste momento”, disse. “Qualquer pessoa pode ser infetada, mas estamos a ver a atividade da doença principalmente entre HSH”, confirma Demetre Daskalakis, especialista em prevenção do VIH nos EUA.

Os encontros sexuais claramente desempenham um papel na transmissão. Mas exatamente como o vírus é transmitido é menos claro. Pesquisas encontraram DNA viral, e até mesmo vírus infecciosos, no sémen de alguns pacientes, mas não têm certeza da sua importância para a transmissão; tal como outras infeções, o contacto pele a pele pode ser suficiente.

O padrão encontrado neste surto não é surpresa

Para quem estuda como os agentes patogénicos se espalham nas redes sociais e sexuais, o padrão encontrado neste surto não é uma grande surpresa. Nas décadas de 1970 e 1980, os dados de pesquisas a outras infeções sexualmente transmissíveis mostraram que o número médio de parceiros sexuais das pessoas era muito baixo para sustentar a transmissão. Mas as médias obscureceram o facto de, embora muitas pessoas tenham poucos parceiros sexuais, algumas têm um grande número. Isso ajuda a impulsionar a transmissão porque, se infectados, eles também são mais propensos a infectar outras pessoas.

As redes sexuais entre HSH não são de natureza diferente das de outros grupos, enfatizou Whittles, mas um grupo central de pessoas está muito mais densamente conectado do que as pessoas fora da comunidade HSH. “Estas coisas ocorrem em todas as redes sexuais, é apenas uma questão de grau”, reforçou. Numa rede densamente conectada, é menos provável que o vírus atinja um beco sem saída e termine o ciclo de transmissão da infeção.

Sem medidas preventivas, o surto de Monkeypox pode chegar a 10.000 infeções entre homens que têm sexo com homens

O estudo da London School of Hygiene & Tropical Medicine, publicado no arquivo de pre-prints medRxiv, usou dados do Reino Unido sobre padrões de parceria sexual para modelar a propagação do vírus do Monkeypox entre homens que têm sexo com homens e fora desse grupo. Entre os vários modelos estudados, o estudo concluiu que, sem medidas de intervenção eficazes ou mudanças de práticas, um surto com mais de 10.000 casos entre HSH em todo o mundo é “altamente provável”. Por outro lado, “a transmissão sustentada na população não HSH é improvável em todos os cenários considerados.”

Tais conclusões colocaram epidemiologistas numa posição delicada por medo de estigmatizar os HSH. Akira Endo, primeiro autor do estudo, diz que entende essa relutância e concorda que as descobertas podem ser facilmente mal compreendidas. “Entendo também que há um risco na outra direção – que a informação não chegue a quem mais precisa antes que seja tarde demais”, disse.

Whittles concordou, chamando as descobertas de “informações práticas, em termos de onde se estão a espalhar. É uma coisa moralmente neutra”, explicou. “O conhecimento sobre o que está a acontecer é poder, mesmo que esse conhecimento seja imperfeito e mude”, acrescentou Daskalakis.

O vírus ainda pode encontrar outras redes com características semelhantes. Daskalakis lembra um surto de Staphylococcus aureus nos EUA na década de 2000, que começou na comunidade de HSH, mas depois se espalhou em ginásios, entre atletas e prisões. O Monkeypox também pode começar a espalhar-se entre profissionais do sexo e clientes, referiu Tuite.

A prevenção e deteção são a chave para parar o surto

A rapidez com que o vírus se espalhará nos próximos meses depende dos esforços de controlo. As autoridades nacionais de saúde da Europa, Canadá e Estados Unidos da América emitiram orientações sobre como reduzir o risco de infeção, e as dating apps alertaram usuários sobre o risco do vírus do Monkeypox e os seus sintomas, o que pode mudar os padrões de contacto. Aumentar a conscientização entre profissionais de saúde também pode ter um impacto. Diagnósticos mais rápidos significam que pacientes isolar-se-ão mais cedo, reduzindo assim a transmissão posterior.

É importante alertar essa comunidade e fazê-lo da maneira certa, explicou Gonsalves. “Devemos dizer: não se trata de quem és. É sobre esta prática. E não vamos estigmatizar-te. Mas importa que saibas que estás em maior risco se te encaixares nesse perfil.”

Muitos países também estão a preparar-se para iniciar campanhas de imunização, Portugal incluído. Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, anunciou que Portugal recebeu as 2.700 vacinas disponibilizadas pela União Europeia para pessoas que tiveram contacto com doentes infetados com o vírus Monkeypox.

A vacina irá ser dada, por enquanto, num contexto de pós-exposição, ou seja, para pessoas identificadas como contactos próximos de casos notificados (idealmente até 4 dias após o contacto, máximo 14 dias se não houver sintomas). O processo de identificação de pessoas elegíveis para a vacina será feito pelas autoridades de saúde, que entrarão em contacto com as pessoas diagnosticadas.  Em cada região serão definidos os locais e circuitos de vacinação.

É importante reforçar uma última vez que o vírus do Monkeypox não é exclusivo dos homens que têm sexo com homens. Em Portugal foi confirmado o primeiro caso neste surto de infeção de uma mulher esta semana e noutros surtos houve focos entre mulheres e crianças.

O vírus também pode infetar e ser disseminado na população geral através do contacto próximo, a sua principal forma de transmissão, incluindo o contacto sexual. Em caso de dúvida seguir as recomendações da DGS.

Recomendações da DGS para o Monkeypox

A DGS informou que vai passar a publicar um relatório semanal sobre o Monkeypox em Portugal e estas são as suas recomendações: