
A FIFA está a ser pressionada a aceitar braçadeiras contra a discriminação durante o Mundial no Qatar com a campanha “One Love”. E se é verdade que é um gesto simbólico num país longe dos mínimos no que toca ao respeito pelos direitos humanos, este é também um gesto vazio de coragem.
Para uma campanha que pretende ser clara quanto à sua mensagem, a mesma não podia ser mais dúbia, vaga e, pior, na defensiva. E nem assim a Seleção Masculina Portuguesa está entre as onze que se associaram à “One Love”. Talvez não seja uma decisão descabida quando temos Manuel Gomes Samuel, o ainda chefe da missão da embaixada portuguesa em Doha, no Qatar, a afirmar que estrangeiros não deverão fazer propagação do modo de vida (da homossexualidade) pela rua, pois não é necessária e é “uma questão de bom senso”.
Importa também recordar que em abril passado, Abdullah Al Ansari, um dos principais responsáveis por garantir a segurança no Qatar, admitiu que pode vir a optar por proibir a exibição de bandeiras LGBTI nos estádios de futebol.
Talvez por isso mesmo, e ao contrário do que se tem escrito na comunicação social portuguesa, a braçadeira não contém “um coração arco-íris”. Contém, sim, cores associadas à luta antirascista (vermelha, preta e verde) e outras três que mais parecem a da bandeira da Moldávia ou, quanto muito, a do Orgulho pansexual.
Como escreveu Rob Harris, a braçadeira pode ser multicolorida, mas não é chamada de arco-íris: “Falam n'”Um Amor”, mas sem fazerem referência ao amor criminalizado.“
“Estamos juntos contra todas as formas de discriminação”, mas gostaria de saber quais?
O capitão da equipa inglesa, Harry Kane, disse: “Estamos juntos contra todas as formas de discriminação“. Mas as suas aspirações colidem com as posições ultraconservadoras do Qatar e não disse quais são essas discriminações.
“Como capitães, todos nós podemos estar a competir uns contra os outros em campo, mas estamos juntos contra todas as formas de discriminação“, disse. “Isso é ainda mais relevante num momento em que a divisão é comum na sociedade. Usar a braçadeira em nome das nossas equipas enviará uma mensagem clara quando o mundo estiver a assistir“, acrescentou o atacante do Tottenham.
É essa alegada clareza que questiono, ainda que aqui esteja a escrever precisamente devido ao lançamento da campanha “One Love”. Mas nesta conversa acrescento também que, por exemplo, a homossexualidade é ilegal no Qatar. E que as punições variam entre multas, pena de prisão e, em regiões onde o tribunal da Sharia domina, homens muçulmanos gays podem receber a pena de morte. Pergunto, será a mensagem clara à restante população fã que verá os jogos do mundial?
Aliás, os direitos humanos estão de tal forma mirrados no Qatar que foi apenas em 2022 que pela primeira vez um homem gay, Nas Mohamed, se assumiu como tal. E Nas fê-lo somente enquanto residente há largos anos nos Estados Unidos da América. Terão as pessoas fora dos círculos e interesses ativistas esta consciência?
‘One Love’ pode trazer um sinal ao Qatar
O coração e o intuito da campanha “One Love” no Qatar até podem ser genuínos nos braços das equipas que usarem as braçadeiras, mas as circunstâncias em que acontece, num dos países mais opressores do mundo, e sem nunca explicitar o que simboliza, soa a conformismo e a estratégia defensiva. E a FIFA é, obviamente, tanto cúmplice como promotora desta situação ao ter escolhido o Qatar para a realização do Mundial.
Será que voltaremos a ver fã a invadir o campo durante um dos jogos, tal como aconteceu no Campeonato Europeu de 2021 entre a Alemanha e a Hungria? Um gesto desses, feito de forma explícita e pública, será símbolo de uma tremenda coragem. Porque, aí sim e ao contrário dos jogadores em campo, a pessoa terá tudo a perder.
Tal como afirmou Nas: “Ninguém pode fazer a diferença, exceto a própria população qatari”.
Reflexão perfeita.
Obrigado! 🙌🌈