Erin Darke, atriz cis que anunciou com Daniel Radcliffe gravidez, é o mais recente alvo do policiamento transfóbico.
Várias publicações virais têm vindo a questionar a própria identidade de mulheres cisgénero simplesmente pelo seu aspeto. Tudo o que sai da norma de padrão ou comportamento considerado ‘digno’ para uma mulher é apontado e levantada a dúvida quanto à sua natureza.
Aparentemente, Erin Darke, que está grávida do seu namorado de uma década, não é suficientemente mulher para a autora de ficção Suzanne Seddon. Numa fotografia do casal, a autora e negacionista da COVID-19 questiona “Agora, o que vês aqui? 🥴”. A insinuação não explicita qual o “problema”, embora com o historial de acusações facilmente se percebe que o problema será o facto de Darke não se encaixar nalguma caixa de subserviência feminina. Afinal de contas, como se atreve ela a ter sobrancelhas carregadas e ser mais alta que o namorado?
Este policiamento procura “pistas” inexistentes como provas de que alguém é secretamente trans. Alvos vão desde Bill e Melinda Gates, às irmãs Serena e Vanessa Williams, Zendaya ou Kate Bush.
O policiamento tem como alvo preferencial mulheres trans, cis e não brancas
A estrutura facial também é uma das características apontadas por este policiamento transfóbico, geralmente com resultados tão descabidos como ofensivos. Na mente destas pessoas, as mulheres só serão dignas e reais se forem padronizadas. E o padrão, não por acaso, tende a ser branco.
É que Erin Darke é apenas uma das mais recentes vítimas cis desta visão transfóbica. Também no mundo do desporto, Christine Mboma e Beatrice Masilingi, duas mulheres negras cis, foram banidas dos Jogos Olímpicos devido aos seus níveis naturais de testosterona. Na altura, o antigo velocista polaco Marcin Urbas pediu inclusive que se investigasse a “vantagem de testosterona” visível “a olho nu” de Mboma. Também Caster Semenya, da África do Sul, Francine Niyonsaba, do Burundi, e Margaret Wambui, do Quénia, foram banidas por se recusarem tomar medicação que lhes diminuísse os níveis naturais de testosterona.
Daniel Radcliff tem-se colocado do lado das pessoas trans
Erin Darke terá sido vítima deste tipo de comentários uma vez que o namorado Daniel Radcliffe desde cedo se tem colocado ao lado das pessoas trans.
“Mulheres trans são mulheres. Qualquer declaração em contrário apaga a identidade e a dignidade das pessoas trans e vai contra todos os conselhos dados por associações profissionais de saúde que têm muito mais conhecimento sobre esse assunto do que Jo [Rowling] ou eu.“
As narrativas de policiamento transfóbico tentam condicionar, sem qualquer legitimidade, a identidade das pessoas que não se encaixam nos seus padrões. E não são apenas as mulheres trans as vítimas. Serão elas, sim, as primeiras e principais, mas a misoginia, que alimenta a LGBTIfobia, tem como vítimas todas as pessoas que, por alguma razão, não fazem parte da norma. A sua altura, a sua estrutura facial, a dimensão do seu corpo, das mãos e dos ombros, a sua voz, a sua roupa, o seu cabelo, tudo serve para condicionar a liberdade e identidade de cada pessoa.
Nesse grupo escrutinado são incluídas também mulheres cis, porque a questão do controlo sobre o corpo e os costumes é o centro destas narrativas de manutenção do poder. A transfobia diz assim respeito a todas as pessoas e todas elas podem – e devem – combatê-la. Ironicamente, numa narrativa que tenta segregar, é a sua óbvia e universal abrangência que, para quem, de alguma forma, é ou se sente diferente, pode – e deve – servir de união.