The Golden Girls: 4 Mulheres Fabulosas

Tenho memória de ver The Golden Girls (Sarilhos Com Elas em Portugal) esporadicamente em jovem. Não me recordava de nada em concreto mas guardei a memória de uma série diferente daquelas que davam na altura: quatro mulheres como protagonistas, a entrar ou em plena terceira idade e sem papas na língua. Uma receita que ainda hoje em dia não é comum em horário nobre dos canais generalistas. Mas teriam estas memórias algum fundamento ou seriam apenas mera ilusão infantil?

Antes de começar a ver a série há umas semanas tinha já entendido o enorme following que esta tinha, em particular entre a população LGBTI. Sim, a Blanche [Rue McClanahan], a Rose [Betty White], a Dorothy [Beatrice Arthur] e a Sophia [Estelle Getty], quatro mulheres viúvas ou divorciadas que partilham uma casa – cante-se Independent Women! -, são ícones gays, todas elas fabulosas e com atitudes a condizer!

Estreada em 1985, The Golden Girls não tinha receio em abordar temas complicados numa sociedade longe de ter a abertura de hoje em dia (e ainda assim…). Saída do armário, casamento entre pessoas do mesmo sexo, sexualidade na terceira idade, VIH e eutanásia foram alguns dos tópicos que abordou e marcou a sua posição na história da televisão na década de 1980 e início da de 1990.

Há um episódio em particular, Isn’t It Romantic?, em que Jean, uma amiga de Dorothy, as visita e se apaixona por Rose. Para baralhar ainda mais as coisas, Dorothy decidiu não contar às restantes amigas e mãe que Jean é lésbica. Toda esta premissa cria um enredo delicioso que apresenta questões sobre identidade, a força de uma saída do armário e, claro, o valor da amizade. Não é um tema fácil e hoje, mais de três décadas passadas, dificilmente ainda o é. Mas a escrita e a postura sobre o tópico são imaculadas e tornam este episódio em particular numa lufada de ar fresco e tão à frente do seu tempo que ainda hoje pode contrastar com alguns episódios menos felizes na nossa televisão. Não há ali uma pinga de vergonha, não há uma piada mais fácil, há sim humor que, na adversidade, empodera ainda mais Jean e as restantes protagonistas. Sim, Jean é lésbica e é OK. Sim, Jean é lésbica e, em 1986 em pleno horário nobre, é OK.

Para colocar em perspectiva, uma década mais tarde, Friends não teriam a mesma sensibilidade – e inteligencia – para tocar neste tipo de assuntos sem ser através de humor que humilhava mulheres – e em particular mulheres lésbicas e mulheres trans. Felizmente pouco depois estreava Will & Grace e o assunto voltou a ser tratado digna e genialmente em horário nobre.

Quanto às nossas Golden Girls, sempre avessas ao sistema, estiveram sete anos no ar, tornando-as numa das séries de maior sucesso. Ganharam 11 Emmys de escrita e representação, aliás, todas elas ganharam pelo menos um Emmy, tornando a série numa das poucas em que todas as protagonistas o conseguiram (tal como Will & Grace, precisamente, embrulhem, Friends!). Também quebrando regras, a personagem mais velha, a mãe Sophia, não era representada pela atriz mais velha sendo esta a Betty White que, ironias das ironias, é a única viva.

E, no entanto, quando as vejo no ecrã dificilmente me poderiam parecer mais jovens, no pico das suas vidas, imortalizadas por um talento que usavam para quebrar preconceitos, delas e nossos. Ainda hoje muitos deles se mantêm, mas elas desmontraram-nos décadas antes, não dando hoje desculpa a quem não vê ou não quer ver. Por isso vejam, as quatro magníficas e riam-se com tamanhas vidas.

Vejam, a título de exemplo, 9 cenas bem Orgulhosas:

As Golden Girls estiveram em destaque no Podcast Dar Voz A esQrever, oiçam:


Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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