Cinema: “Como Matei A Minha Mãe” De Xavier Dolan

Como Matei A Minha Mãe (no original J’Ai Tué Ma Mère) marcou a estreia na realização do multi-facetado Xavier Dolan com apenas 19 anos. Para além da realização, Dolan encarrega-se igualmente do cargo de actor principal e argumentista. Já por aqui tinha passado este nome quando partilhámos o videoclip Collage Boy dos Indochine e a sua crucificação contra a homofobia. Vencedor de vários prémios internacionais em festivais de cinema como o de Cannes, Bangkok, César, Palm Springs, Rotterdam, Toronto, Washington (e a lista continua), este é um filme completamente notável.

Como Matei A Minha Mãe retrata a relação de um filho adolescente, Hubert, e a sua mãe, Chantale – numa excelente Anne Dorval. Assumidamente autobiográfico, o filme mostra-nos as discussões e as medidas de força e autoridade que mãe e filho têm no seu dia-a-dia. Filho único e abandonado pelo pai, Hubert luta por conseguir atingir a sua independência e felicidade que, à medida que o tempo passa, o vai afastando da mãe.

Como se não bastassem as frustrações e revoltas típicas de um adolescente, Hubert esconde da sua mãe o facto de ser homossexual e encontrar-se numa relação com Antonin (protagonizado por François Arnaud). O seu namoro é, no entanto, desvendado dois meses depois do seu início, quando, por mero acaso, a mãe liberal de Antonin encontra Chantale e a felicita pelo namoro saudável dos filhos.

A mãe de Hubert tenta então perceber por que razão o filho não lhe contou esse aspecto crucial da sua vida quando, outrora, sempre falaram de tudo. Dolan consegue tocar na temática LGBT sem que esta se sobreponha ao filme, humanizando-a e tornando-a num aspecto absolutamente relevante. Dada a sensibilidade e o cuidado nos detalhes e nas emoções que vão sendo exploradas em cada cena, a homossexualidade do filho entranha-se na mente de quem vê o filme e esta deixa de ser um ponto de choque ou de irreverência, sendo apresentada com a maior normalidade possível. É um aspecto nunca escondido e, no entanto, deixamos de vê-la. Quem ali está é Hubert e Antonin. Ali, ao nosso alcance, por completo.

Com a ajuda do até ali ausente pai, a mãe envia Hubert para um colégio interno noutra cidade, tentando assim ajudar o filho a superar os problemas em que se mete até chegar à idade adulta. E não bastou que o filho lhe gritasse que ela o estava a destruir, que o estava a afastar de tudo e todos aqueles que amava e que a odiava por tudo isso, Hubert foi para o colégio interno.

No colégio foi gozado por ser diferente, mas também conheceu pessoas novas que o ligaram ao consumo de drogas. E no processo questionou o filho o que é amar uma mãe, negando sempre o que a mãe poderia sentir por ele. Uma busca sentimental amarga de alguém que desesperado estava por longe estar de todos, especialmente do namorado Antonin.

Não deixa de ser este um filme profundamente interior, onde a busca de um jovem pelo significado do Amor, e em particular o Amor incondicional de uma mãe – duvidando dele, desprezando-o e temendo-o – o leva a um novo patamar de vida, um reencontro com aquilo que ele sempre acreditou. E fá-lo descobrindo-se, por fim, a si mesmo, abraçando aqueles que o desejam amar, porque o amor nem sempre será aquilo que nós queremos e isso nem sempre o minora.

Como Matei A Minha Mãe surge como título de uma composição que Hubert escreveu na escola no auge do seu ódio, mas o que o filme nos mostra é como ele realmente matou a imagem que tinha da mãe e – mão no joelho dela – a aceita finalmente  como ela é e, mais que tudo, aceita o Amor que ela sempre lhe deu.

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

6 comentários

    1. Pedro Carreira – Portugal – Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc
      pedro_jose diz:

      Belo filme 🙂

      1. Como praticamente todos os franceses. Profundo. Confesso não o ter visto mas sou apreciador de cinema europeu/autor. Mas tenho uma questão a deixar-te no twitter :p

      2. Pedro Carreira – Portugal – Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc
        pedro_jose diz:

        Neste caso, canadiano 🙂

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