A Homossexualidade Africana Pré-Colonial

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Já por aqui discutimos a homossexualidade negra, muitas vezes envolvida numa dupla-discriminação e, até, numa negação da sua própria existência. Hoje apresentamo-vos um estudo que apresenta 21 variedades de relacionamentos homossexuais africanos. Estes foram encontrados quando os colonos europeus chegaram a África e, pelo menos em parte, impuseram um ideal religioso que reprovou arduamente qualquer tipo de relação homossexual africana.

O estudo, “Expanded Criminalisation of Homosexuality in Uganda: A Flawed Narrative / Empirical evidence and strategic alternatives from an African perspective”, faz parte de um relatório[pdf] que é projetado para dissipar a confusão e a mentira em torno do projecto de lei anti-homossexualidade do Uganda, projecto esse de 2014 que condena com prisão perpétua qualquer tipo de relacionamento homossexual e a promoção ou defesa dos direitos das pessoas LGBT.

No seu trabalho os antropólogos Stephen Murray e Will Roscoe fornecem evidências claras que sustentam que por toda a História de África a homossexualidade tem sido uma “constante e lógica característica das sociedades africanas e das suas crenças.”

Thabo Msibi, da Universidade de Kwazulu‐Natal, documentou muitos exemplos em África de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo serem acomodados pelas sociedades pré-coloniais”. Deborah P. Amory fala de “uma longa história de diversos povos africanos envolvendo-se em relações do mesmo sexo”. É possível documentar uma vasta gama de práticas homossexuais e diversas compreensões de género em todo o continente.

Uma imensidão de exemplos

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Rei Mwanga II de Buganda, o “Rei gay”, que teve relações homossexuais

Eis vinte e um exemplos:

  1. Uma pintura, notavelmente explícita, que retrata homens africanos bosquímanos a envolverem-se em atividades homossexuais;
  2. No final da década de 1640, um militar holandês documentou Nzinga, uma mulher guerreira do Reino do Ndongo do Mbundu, que governou como ‘Rei” ao invés de ‘Rainha”, vestida como um homem e rodeado de si mesma com um harém de jovens homens vestidos como mulheres e que foram suas “esposas”;
  3. O antropólogo do século XVIII, Padre J-B. Labat, documentadou o Ganga-Ya-Chibanda, o sacerdote preside do Giagues, um grupo dentro do Reino do Congo, que rotineiramente se transvestia e era conhecido como “avó”;
  4. Na cultura tradicional e monárquica do Zande, registros antropológicos descreveram a homossexualidade como ‘indígena”. Os Azande do norte do Congo rotineiramente casavam-se com homens mais jovens que tinham o papel de “esposas temporárias” – uma prática que foi institucionalizada a tal ponto que os guerreiros pagariam oferendas à família dos homens mais jovens;
  5. Entre agricultores de língua Bantu do Pouhain (Bene, Bulu, Fang, Jaunde, Mokuk, Mwele, Ntum e Pangwe), no actual Gabão e Camarões, coito homossexual era conhecido como “nkû bian ma” – uma receita para a riqueza que era transmitida através da atividade sexual entre homens;
  6. Da mesma forma, no Uganda, entre os Nilotico Lango, homens de género alternativo eram conhecidos como “mukodo dako“, estes eram tratados como mulheres e eram autorizados a casar-se com outros homens;
  7. Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo foram relatados entre outros grupos no Uganda, incluindo o Bahima:
  8. O Banyoro e;
  9. O Baganda. O Rei Mwanga II (imagem acima), o monarca de Baganda, foi amplamente divulgado que se envolveu em relações sexuais com os seus súbditos masculinos;
  10. Um jesuíta trabalhando na África Austral em 1606 descreveu encontrar “Chibadi, homens vestidos como mulheres e que se comportam de forma feminina, envergonhadas de serem chamadas de homens”;
  11. No início do século XVII, na actual Angola, os padres portugueses Gaspar Azevereduc e Antonius Sequerius encontraram homens quem falavam, sentavam-se e vestiam-se como as mulheres; estes casavam-se com homens. Tais casamentos eram “honrados e  valorizados”;
  12. Nas comunidades de Iteso, no noroeste do Quénia e Uganda, relações existiam entre homens que se comportavam e eram socialmente aceites como mulheres;
  13. Práticas homossexuais também foram registradas entre os Banyoro e;
  14.  Os Langui;
  15. Em Benin pré-colonial, a homossexualidade era vista como uma fase que meninos passavam e cresciam;
  16. Havia casamentos entre mulheres Nandi e;
  17. Mulheres Kisii do Quénia, bem como;
  18. Mulheres Igbo da Nigéria;
  19. Mulheres Nuer do Sudão e;
  20. Mulheres Kuria da Tanzânia;
  21. Entre a população Bantu, o lesbianismo era atribuído às mulheres que estavam em vias de se tornar chefes-adivinhos, conhecidos como “isanuses“.
No antigo Reino de Dahomey, mulheres podiam ser soldados e mulheres mais velhas por vezes casavam com mulheres mais jovens.
No antigo Reino de Dahomey, mulheres podiam ser soldados e mulheres mais velhas por vezes casavam com mulheres mais jovens.

Esta não é uma lista exaustiva. Dada a evidência esmagadora de relações entre pessoas do mesmo sexo antes da colonização, que continuou até épocas pós-coloniais, bem como a evidência histórica de diversos compreensões da identidade de género, fica claro que a homossexualidade africana não se trata de algo estranho, tal como em qualquer outra parte do mundo.

A homossexualidade africana está presente em todo o continente

Como afirmado por Murray e Roscoe: inúmeros relatos também indicam que nas sociedades altamente segregadas por sexo em África, comportamentos e relacionamentos homossexuais não eram incomuns entre pares, tanto masculinos como femininos, especialmente nos anos que antecederam o casamento heterossexual. Esses tipos de relações foram identificados com termos específicos e estavam em diferentes graus institucionalizados na sociedade.

O que os colonizadores impuseram em África não foi a homossexualidade “mas antes a intolerância a ela — e sistemas de vigilância e regulação de forma a suprimi-la.” O projecto de lei anti-homossexualidade do Uganda é apenas a continuação dessa lógica de ódio e perseguição às pessoas LGBT em África. Lutemos por suprimir, sim, esse ódio que mata centenas de pessoas em África todos os anos.

Fonte: Erasing 76 Crimes.

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O DUCENTÉSIMO QUINQUAGÉSIMO PRIMEIRO EPISÓDIO do Podcast Dar Voz A esQrever 🎙️🏳️‍🌈 é apresentado por nós, Pedro Carreira e Nuno Miguel Gonçalves.Neste episódio de Dar Voz A esQrever, olhamos para a contestação inédita no Festival da Canção 2026, com a maioria das pessoas concorrentes a rejeitar a participação na Eurovisão e a criticar diretamente a posição da RTP face à permanência de Israel no concurso. Seguimos até Budapeste, onde o presidente da câmara, Gergely Karácsony, arrisca uma acusação criminal por ter permitido a Marcha do Orgulho LGBTQ+, num caso que expõe o conflito entre o poder central autoritário e a autonomia municipal. No segmento Dar Voz A…, destacamos o documentário Come See Me in the Good Light, um retrato íntimo de amor, criação e mortalidade com a pessoa não-binária e poetisa Andrea Gibson como protagonista, bem como com a sua esposa Megan Falley.Artigos Mencionados no Episódio:Festival da Canção 2026: maioria de concorrentes rejeita Eurovisão e critica posição da RTPEspanha, Irlanda, Países Baixos e Eslovénia saem da Eurovisão. Portugal mantém-se num festival cada vez mais divididoGergely Karácsony, Presidente da Câmara de Budapeste, arrisca acusação criminal por permitir a Marcha do Orgulho LGBTQO Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈 está disponível nas seguintes plataformas:👉 ⁠⁠Spotify⁠⁠ 👉 ⁠⁠Apple Podcasts⁠⁠ 👉 ⁠⁠Youtube Podcasts⁠⁠ 👉 ⁠⁠Pocket Casts⁠⁠ 👉 ⁠⁠Anchor⁠⁠ 👉 ⁠⁠RadioPublic⁠⁠ 👉 ⁠⁠Overcast⁠⁠ 👉 ⁠⁠Breaker⁠⁠ 👉 ⁠⁠Podcast Addict⁠⁠ 👉 ⁠⁠PodBean⁠⁠ 👉 ⁠⁠Castbox⁠⁠ 👉 ⁠⁠Deezer⁠⁠Se nos quiserem pagar um café, ⁠⁠⁠⁠⁠aceitamos doações aqui⁠⁠⁠⁠⁠ ❤️🦄Jingle por Hélder Baptista 🎧Para participarem e enviar perguntas que queiram ver respondidas no podcast contactem-nos via Bluesky ( ⁠⁠@esqrever.com⁠⁠ ) e Instagram ( ⁠⁠@esqrever⁠⁠ ) ou para o e-mail ⁠⁠geral@esqrever.com⁠⁠. E nudes já agora, prometemos responder a essas com prioridade máxima. Até já, unicórnios 🦄#LGBT #LGBTQ #FestivalDaCanção #Eurovisão #BudapestPride #ComeSeeMeintheGoodLight
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Respostas de 12 a “A Homossexualidade Africana Pré-Colonial”

  1. […] significado de casal e da sexualidade humana não passará certamente por um modelo único como, aliás, a história milenar das várias sociedades humanas nos têm mostrado. O Papa Francisco volta assim […]

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  2. […] que estas relações não existiam, por exemplo, quando os europeus chegavam a novos mundos. Ora, como já aqui foi mostrado para o caso africano, também os índios brasileiros apresentavam comportamentos homoafectivos e para lá do binómio […]

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  3. Eu costo de homens eu seu feliz muito

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  4. Entendo que o vosso desejo é que este acto seja visto como normal, atenção que as crenças, cultura e tradições africanas são conhecidas de fundo pelo seus povos.

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  5. A Europa tem imposto os lideres africanos condições no sentido de se satisfazer os desejos LGBT, este assunto não é da competência dos chefes de Estado, mas sim dos povos africanos. Continuamos convictos das nossas crenças e tradições. Este assunto não é nosso problema.

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  6. […] A Homossexualidade Africana Pré-Colonial – esQrever […]

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  7. […] sexual e identidade de género são efetivamente inerentes à identidade de cada pessoa. Mais, o Uganda tem uma história pré-colonial rica em identidades queer, onde entre os povos Nilotico Lango ou Bahima, homens de género alternativo eram conhecidos como […]

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  8. […] Em 2022, a Nigéria proibiu o uso de roupas e acessórios estereotipados de género não coincidente, ou simplesmente crossdressing. Apesar do que possam dizer as autoridades, a homossexualidade não é uma importação ocidental, quanto muito será importado, sim, o conceito atual de homofobia via colonialismo. […]

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  9. […] do mesmo sexo e diversidade de género não eram necessariamente tabus. Muito pelo contrário, diversos países africanos viviam com essa diversidade, bem como países como o México, antes da colonização […]

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  10. […] ainda referir que, tal como noutros países e culturas africanas, a homossexualidade foi outrora aceite antes da colonização europeia. Por exemplo, entre agricultores de língua Bantu do Pouhain, no actual Gabão e Camarões, o […]

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