LEFFEST: Os Irmãos Sisters e a Elegia da Masculinidade Tóxica

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O Western é um dos géneros automaticamente associados à época de ouro de Hollywood e aos grandes cineastas a ela associados. Ford. Hawks. Peckinpah. Leone. Todos eles ofereciam retratos do cowboy americano enquanto lobo solitário, incapaz de deixar para trás a sua vida de pistoleiro e permitir uma integração na sociedade que entretanto se estava a edificar. Destinados, todos, a serem pistoleiros até ao final dos seus dias. E morrer como homens.

A reinterpretação do Western por Jacques Audiard começa exatamente aqui, no abandono da formulação típica do Western e exploração das masculinidades aqui presentes num mundo em que elas parecem não poder todas subsistir. É o primeiro filme de Audiard em inglês depois dos aclamadíssimos O Profeta, Ferrugem e Osso e Deephan – que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes. Aqui acompanha os irmãos Sisters, veteranos pistoleiros, temidos em todo o Oeste e que se preparam para enveredar em mais um trabalho sujo. A premissa é a de perseguição de um cientista, e de outro pistoleiro, que descobriu uma fórmula para encontrar ouro na época da prospecção. Mas o que Audiard nos apresenta são quatros complexos retratos de homens completamente distintos, uma transfiguração bastante reveladora da típica virilidade do género.

O incrível Joaquin Phoenix é o estereótipo dessa virilidade violenta, com a necessidade frequente de expôr os seus feitos acompanhados de álcool e mulheres enquanto tenta inutilmente esconder os seus demónios. É uma masculinidade tóxica que o envenena a ele próprio, de mais do que uma forma e sempre a ter de ser assistido pelo seu irmão mais velho interpretado magnificamente por John C.Reilly, que menospreza e idolatra. E uma masculinidade que tem os seus dias contados. A lei e a ordem sociais preparam-se para extinguir estes últimos exemplos do homem animalesco e fácil de prever.

Não é difícil nem inusitado traçar paralelismos com a atual era de redefinição de papéis de género em que os homens se vêm confrontados com a inadequação do caminho que para eles lhes foi traçado de forma tão minuciosa e estanque. É aqui que entra a silenciosa introspecção da personagem de Jake Gyllenhaal, alguém que quis redefinir e rebelar-se contra as origens apenas para perceber que apenas o fez seguindo a história que a sociedade para ele escreveu, narrada por ele mas com um destino pré-definido. É nesta encruzilhada que muitos homens se vêem hoje em dia quando percebem que aquilo que têm de ser só por eles deve ser ditado e não têm de se conformar a nada que não lhes seja autêntico. Ou então voltam para trás para lutar uma batalha inglória em que estão nos dois lados da barricada e jamais podem vencer.

Nota de destaque para um curto mas preponderante papel da atriz trans Rebeca Booth, a única mulher em destaque neste filme povoado por homens que tentam, na maior parte das vezes sem sucesso, desafiar estereótipos. É uma prospetora de ouro na Califórnia e que encara os irmãos Sister de frente, sempre com uma ambiguidade cortante acerca da sua identidade de género e que só prova que este Western já pertence a uma nova era.

Os Irmãos Sisters teve estreia em Portugal fora de competição no LEFFEST e estará em sala nos dia 31 de Janeiro


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