Zero saudades da transfobia de José António Saraiva

“Imagine-se um grupo de amigos, homens, em que um deles se torna de repente mulher. Como reagirão os outros? E como serão as relações amorosas das pessoas que mudam de sexo? Algum homem se sentirá confortável a dormir com uma mulher que sabe já ter sido homem?”

Foi com esta verborreia inenarrável e de arregalar os olhos que José António Saraiva iniciou mais um artigo de opinião no jornal Sol. O artigo, de nome “Tô xim?”, tem como objetivo único o ataque a um ato de coragem: o de Maria João Vaz, conhecida até há poucas semanas como “o ator” que nos brindou com o anúncio da Telecel “Tou xim, é p’ra mim!” e que este ano partilhou publicamente a sua fantástica história de vida: a vida de uma mulher trans que se libertou das amarras do medo de ter de conviver lado a lado com pessoas hediondas como este fazedor de opinião. 

Mas a José António Saraiva pouco importam a dignidade ou os atos de coragem: dentro da sua hermética caixinha do privilégio, optou por escrever um texto violento, odioso e de ataque direto às pessoas trans e a um ser humano em específico, real, que existe, uma pessoa que sofreu toda a sua vida e que, quando finalmente se consegue mostrar ao mundo tal como é e tal como sempre foi – uma mulher, uma legítima mulher – ainda é atacada desta forma vil, em praça pública, num jornal de tiragem nacional. Este ataque tem um nome: chama-se ódio. E, em pleno século XXI, muitos mais deveriam ser os mecanismos legais e editoriais para o combater. Mas fechar os olhos parece ser mais fácil. 

Caro José António Saraiva: não precisa de lembrar às pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans ou Intersexo dos conflitos interiores ou sociais que elas terão de enfrentar. Dispensamos, mesmo. Vivemos esses conflitos todos os dias porque infelizmente ainda há pessoas que, como o Sr., gostam de fazer crescer os seus egos odiando a vida das outras pessoas. Mas sabe que mais? Estamos aqui, sempre estivemos, e por cá continuaremos, a lutar pelos nossos direitos, pelas nossas famílias, pela nossa felicidade plena, pelo amor, e resistindo a qualquer tipo de violência que nos queiram infligir.

“Imagine-se um grupo de pessoas amigas e alguém desata a dizer disparates transfóbicos. Como reagirão as pessoas trans que sofrem dia após dia e que são continuadamente vítimas de ódio, incompreensão e de discriminação? E como será crescer-se presa ou preso a um corpo e a uma identidade de género que não é a sua? Algum ser humano se sentirá confortável a conviver com tamanha violência?”. Assim deveria ter começado este artigo de opinião. 

Tô xim? Estou a ligar para a residência do Sr. homofóbico, transfóbico e apologista da desigualdade e da discriminação? Liguei para informar que já perdeu o seu pacote de minutos ilimitados. Sem re-contratualização.

Ana Aresta
Presidente da Direção da Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo


O ataque de José António Saraiva contra Maria João Vaz esteve em destaque no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈

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Respostas de 5 a “Zero saudades da transfobia de José António Saraiva”

  1. Muito obrigada Ana pela solidariedade.💜

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  2. Republicou isto em Farrusco and commented:
    Um vintém será sempre um vintém e um cretino será sempre um cretino.

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  3. […] mês em que um elemento de um jornal semanal atacou com “verborreia inenarrável” na sua coluna de opinião Maria João Vaz, uma mulher trans portuguesa, importa não […]

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  4. […] nós, Pedro Carreira e Nuno Gonçalves. Falamos da violência contra mulheres durante a pandemia, a transfobia d’O Arquitecto‘, a visibilidade em Espanha de Veneno e também da representação de pessoas LGBTI nas […]

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  5. […] Elliot Page. Ainda há poucas semanas aconteceu igual com Maria João Vaz, que teve inclusive direito a reação por parte da Presidente da ILGA Portugal, Ana Aresta. E, confesso, porque foi isso que me fez escrever este texto, mais custa que, além do erro […]

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