
Gabriel Attal será o próximo primeiro-ministro de França. Com 34 anos, será a mais jovem pessoa a ocupar o cargo. E acontece que também será o primeiro primeiro-ministro gay assumido do país. Este foi, aliás, o destaque do título do Podcast Expresso da Manhã de ontem: “Homossexual de 34 anos, quem é o novo primeiro-ministro francês, Gabriel Attal?“. O título recebeu inúmeras críticas pela escolha e o jornalista Paulo Baldaia, condutor do programa, retratou-se no episódio de hoje, tendo alterado o título do episódio.
Mas se a escolha do título original poderá ser duvidosa por não contextualizar a sua escolha, muitas das críticas apontam antes à irrelevância da orientação sexual de Attal para a sua capacidade de trabalho no cargo. Houve até um deputado municipal da Iniciativa Liberal, Mário Amorim Lopes, a defender que “seria bom voltar ao tempo em que a orientação sexual dos políticos, seja ela qual for, não interessa para rigorosamente nada.” Será?
Ora, o que o deputado se está a esquecer – e, talvez não por acaso quando o mesmo faz jogos com os pronomes na sua biografia – é que não é possível voltar ao tempo em que a orientação sexual dos políticos não interessou para rigorosamente nada, porque este nunca existiu no passado.
A orientação sexual, obviamente, não implica capacidade ou moralidade de uma pessoa – e nisso Attal não está livre de críticas -, mas falar de um alegado tempo em que isso não interessou para nada é negar a luta pela igualdade e não ver a importância do seu simbolismo, sim, também ele político.
E simbolismos há de muitos tipos. Basta recordar Maria de Lourdes Pintasilgo como a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra em Portugal em que até mudar o nome do cargo para o feminino foi uma questão. Ou ainda, mais recentemente, Francisca Van Dunem, a primeira mulher negra a chegar a ministra em Portugal que contou ter sido confundida como mulher com cargo de limpeza porque seria essa a sua condição.
Não ver orientação sexual – ou o género ou a cor de pele – é negar os obstáculos que as pessoas atravessaram e atravessam ainda
Não ver orientação sexual – ou género ou cor de pele – é negar os obstáculos que as pessoas atravessaram – e atravessam ainda – para conseguirem ultrapassar o preconceito, a discriminação e todas as barreiras que o sistema ainda lhes impõe. E, suspeito, quem prega não ver nenhuma destas características que persistem hoje como razão para, precisamente, o preconceito e a discriminação, fá-lo de posição privilegiada. Importa, ainda assim, entender que esse não é forçosamente um problema, mas, sim, é problema como a sua abordagem torna invisível a luta pela igualdade ao nega-lhe assim os argumentos e reivindicações.
Daí que o simbolismo importe, porque é também uma questão de esperança, de normalização, de naturalidade, de aspiração dentro de uma sociedade que se deseja mais livre e igualitária. E um dos maiores simbolismos sociais acontece quando alguém pertencente a uma minoria alcança lugar de destaque sem a imposição da vergonha, da discriminação ou dos obstáculos vigentes. Ou melhor, alcança-o apesar destes. Porque a regra, infelizmente, é tal não acontecer. Não é por acaso que, em 2024, esta é a primeira vez que há um primeiro-ministro assumidamente gay em França de um total de 25 nomes desde 1958 e muitas mais dezenas antes com nome de cargo diferente. E isso, se não obriga a celebração da pessoa em si, devia contar, pelo menos, a reconhecimento.
Só nos últimos anos houve pessoas assumidamente queer a alcançar posições de liderança política na Europa – e não é por acaso
Sem ignorar a questão da instrumentalização da pessoa individual como token, a verdade é que, em séculos de história e de centenas de lideranças, Attal junta-se aos poucos nomes como Varadkar na Irlanda, Zamora na Andorra, Sigurdardottir na Islândia ou Brnabic na Sérvia.
Em Portugal também Sandra Cunha, Graça Fonseca, Mariana Mortágua, Adolfo Mesquita Nunes ou Paulo Rangel abriram portas no mundo da política em relação à sua orientação sexual.
É fácil entender por este punhado de nomes o quão distintos são os seus ideais políticos. Revejo-me nalguns politicamente, noutros nem tanto. Mas isso não me impede de reconhecer o impacto simbólico que tiveram ao darem a cara quando ainda há obstáculos para fazê-lo. Basta ter em conta como os próprios coming outs foram feitos – ou obrigados a serem feitos – para entender que este ainda está longe de ser um tempo em que isto não interessa para rigorosamente, mas mesmo rigorosamente nada.

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