Red Rose: Para uma banda sonora de terror do cruising gay

Red Rose: Para uma banda sonora de terror do cruising gay

Anthony é um jovem adolescente, alegre e pacifista, em quem os seus amigos podem sempre confiar. Para os mais íntimos, ele é também o filho de uma mulher alcoólica que raramente o apoia. Anthony enfrenta desafios em relação à sua identidade homossexual, reprimindo aspetos profundos de si mesmo. Ele tem dificuldade em aceitar-se e não consegue expressar as suas paixões e desejos, mesmo quando tenta conectar-se com outras pessoas através de aplicativos de encontros.

Em Red Rose, uma série que a Netflix promove pela sua brilhante banda sonora, encontramo-lo como personagem secundário. A série segue uma tendência bem-sucedida de usar músicas pré-existentes dos anos 80 e 90, num estilo semelhante a Stranger Things, combinando-as com um enredo aparentemente futurista, à maneira de Black Mirror. A curadoria musical é rica em referências, incluindo faixas como “Barbie Girl” dos Aqua e a versão melancólica de “Blue (Da Ba Dee)” dos Eiffel 65, interpretada pela cantora marroquina Faouzia.

Red Rose explora e utiliza os segredos das pessoas contra elas mesmas

Nesta história intrigante, o grupo Dick Heads, ao qual Anthony pertence, vê-se envolvido numa trama assustadora quando descarregam o aplicativo Red Rose para os seus telefones. De repente, trazem os mortos de volta à vida. O que inicialmente parece ser uma série de terror, com fantasmas visíveis apenas através dos ecrãs dos telemóveis, logo se revela como um sofisticado programa de realidade aumentada. No entanto, o diferencial do programa Red Rose é a sua habilidade para explorar e utilizar os segredos das pessoas contra elas mesmas.

Como seria expectável, a homossexualidade reprimida de Anthony torna-se uma arma usada contra ele. Na sua primeira tentativa real para marcar um encontro, Anthony recorre a um aplicativo que lhe permite ver o seu par a aproxima-se da sua casa, em tempo real, através do GPS. À medida que o par se aproxima, o espectador é confrontado com uma atmosfera de terror, transmitindo a clara sensação de que um assassino está prestes a aparecer. A perceção auditiva é intensificada pelos gestos quase descontrolados de Anthony, que alterna entre um olhar aterrorizado pela cortina da janela de seu quarto no primeiro andar e o GPS. Como era de se esperar, acaba por fechar a cortina e cancela o encontro.

O cruising é aqui uma manifestação de homofobia musicalmente representada pelo terror

Na sua segunda tentativa, Anthony escolhe um local pouco movimentado para o encontro: uma casa de banho. Ao entrar, o silêncio é absoluto, e a porta abre-se com um rangido e eco que lembram o portão de uma masmorra. O ambiente é sujo, e Anthony, mais uma vez, sente-se inseguro e entra em pânico. Ele repara que alguém está dentro de uma das divisões próximas ao urinol e presume que é o seu encontro. Ao se aproximar da porta, o ambiente sonoro fica novamente tenso e dissonante. Estende lentamente a mão para abrir a porta, mas, de repente, um homem sai de lá, olhando-o com irritação. Nenhuma palavra é trocada. Segundos depois, Anthony é visto a correr para dentro de um túnel, ofegante e quase em lágrimas, mostrando mais um fracasso do encontro.

Em Red Rose, a banda sonora abrange uma variedade de géneros musicais, incluindo a eletrónica de dança e o pop-rock. Essas músicas evocam qualidades juvenis e dissidentes associadas ao grupo Dick Heads. No entanto, no caso de Anthony, a dissidência é reforçada face ao que é heteronormativo, pois as sonoridades de terror criam uma sensação de pânico moral em relação aos encontros casuais da cultura do cruising. A escolha de um estilo musical que remete para o terror, aproxima o cruising de outros momentos assustadores na série, como os fantasmas simulados por realidade aumentada. Isso sugere que, mais do que uma simples representação da homossexualidade, estamos diante de uma manifestação de homofobia musicalmente representada pelo terror.

Apenas o Amor te pode libertar

Na série, esses mecanismos são, no final, subvertidos. Quando Anthony é ameaçado pelos responsáveis da aplicação Red Rose através de uma chamada via PS5, eles revelam que vão expor o fato de ser homossexual e ter uma mãe alcoólica. Anthony responde que já não se importa com as consequências e que está cansado de sentir vergonha. Assim, o pânico relativamente à descoberta de aspetos da sua vida privada transformam-se em orgulho e emancipação. De facto, o poder não é algo que se possui, mas algo que se exerce, e Anthony demonstra isso ao resistir às ameaças. Infelizmente, como resultado, ele passa a ser perseguido fisicamente por um assassino.

A partir desse ponto, a homossexualidade de Anthony deixa de ser retratada como parte do enredo de terror, nem mesmo um dos mecanismos que assustam os espectadores. Agora, pertence a momentos em que Anthony encontra conforto e alegria. Numa discoteca, Anthony troca olhares e sorrisos com um homem na pista de dança pela primeira vez. A expressão saudável da sua sexualidade é finalmente selada na pista de dança, ao som das palavras “Only Love Can Set You Free”, cantadas pela banda de rave britânica N-Trance.


A esQrever no teu email

Subscreve e recebe os artigos mais recentes na tua caixa de email

Deixa uma resposta

Apoia a esQrever

Este é um projeto comunitário, voluntário e sem fins lucrativos, criado em 2014, e nunca vamos cobrar pelo conteúdo produzido, nem aceitar patrocínios que nos possam condicionar de alguma forma. Mas este é também um projeto que tem um custo financeiro pelas várias ferramentas que precisa usar – como o site, o domínio ou equipamento para a gravação do Podcast. Por isso, e caso possas, ajuda-nos a colmatar parte desses custos. Oferece-nos um café, um chá, ou outro valor que te faça sentido. Estes apoios são sempre bem-vindos 🌈

Buy Me a Coffee at ko-fi.com