
Nos últimos meses, a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem sido alvo de debate aceso em Portugal. Membros do governo têm criticado esta componente educativa, alegando que contém “demasiada ideologia” e sugerindo que certas temáticas, como igualdade de género, orientação sexual e direitos humanos, deveriam ser retiradas ou revistas. No passado fim‑de‑semana, talvez não por acaso, o primeiro ministro Luís Montenegro voltou a reacender a discussão. Esta posição contraria as recomendações de várias organizações internacionais, como a UNICEF e a UNESCO, que sublinham a importância da educação para a cidadania como uma ferramenta fundamental para promover sociedades mais justas e inclusivas.
O que é a Disciplina de Cidadania?
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento foi implementada com o objetivo de preparar estudantes para viver em sociedade, abordando temas essenciais como direitos humanos, igualdade de género, sustentabilidade ambiental e democracia. Estes temas são amplamente reconhecidos como cruciais para o desenvolvimento de jovens conscientes e capazes de participar ativamente na sociedade.
As críticas do Governo
A principal crítica por parte de certos membros do governo, como Paulo Núncio ou Nuno Melo, reside na ideia de que a disciplina está “carregada de ideologia”. Defendem que as escolas devem ser espaços neutros e que as temáticas relacionadas com género e orientação sexual, em particular, não devem ser abordadas de forma tão detalhada. Alegam também existir uma “hipersexualização” e “sexualização precoce” de crianças, o que está longe de um abordagem com base nos afetos entre pares e família. Esta visão “deixem as crianças em paz” levanta questões sobre até que ponto o ensino deve incluir a educação sobre diversidade e direitos humanos.
As recomendações das Organizações Internacionais sobre a educação da Cidadania
Entidades internacionais como a UNICEF e a UNESCO têm sublinhado repetidamente a importância de uma educação abrangente e inclusiva que não só trate da cidadania em sentido amplo, mas também aborde questões de género, identidade sexual e direitos humanos.
A UNICEF destaca que a educação para a cidadania, incluindo a educação sexual e sobre igualdade de género, é fundamental para promover ambientes escolares seguros e inclusivos. Num dos seus relatórios, a organização sublinha que as escolas são um dos espaços mais eficazes para combater discriminações de género e desigualdades sociais, e que remover esses temas do currículo pode ser prejudicial para o desenvolvimento das crianças e jovens.
Da mesma forma, a UNESCO, no seu relatório International Technical Guidance on Sexuality Education, argumenta que a educação para a cidadania e sexualidade nas escolas deve ser baseada em direitos humanos e em evidências científicas, e que o ensino sobre igualdade de género e identidades LGBTQ+ é crucial para combater a discriminação e o bullying, que ainda afetam uma grande percentagem de jovens em ambiente escolar.
Também estudos académicos realizados em diversos contextos mostram que a educação sobre cidadania, género e direitos LGBTQ+ nas escolas tem impactos positivos tanto para estudantes como para a comunidade escolar em geral. Por exemplo, uma revisão sistemática de programas de educação sexual inclusiva publicada no Journal of Adolescence concluiu que estudantes com exposição a essas temáticas desenvolveram maior empatia, respeito por pares e uma maior sensibilidade de justiça social.
Além disso, a presença destas temáticas no currículo escolar está associada à redução de comportamentos de bullying e à melhoria da saúde mental de jovens LGBTQ+, que, frequentemente, enfrentam discriminação tanto dentro como fora da escola.
Existe consenso quanto à importância da disciplina de Cidadania
Retirar ou desvalorizar a educação para a cidadania com base em alegações de ideologia ignora o consenso internacional sobre a sua importância. A promoção da igualdade de género, dos direitos humanos e da diversidade é um pilar fundamental para a construção de sociedades mais justas, onde todas as pessoas, independentemente do género ou orientação sexual, têm a oportunidade de prosperar.
Em vez de reduzir o seu alcance, as políticas educativas devem seguir as recomendações das principais entidades internacionais e ampliar o compromisso com uma educação inclusiva, que respeite e proteja a diversidade da sociedade. Portugal não deve, nem pode, ser exceção.

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