
Na série The Gilded Age (A Idade Dourada, no Brasil), há um momento quase silencioso que merece ser escutado com atenção. Ellen, a empregada da família Scott, movimenta-se com discrição, mas com uma expressividade que se faz notar. É interpretada por Sandra Caldwell, atriz trans com uma carreira que atravessa décadas e cuja presença nesta produção é tão simbólica quanto poderosa.
Criada por Julian Fellowes, The Gilded Age retrata a alta sociedade nova-iorquina na década de 1880, numa época marcada por grandes desigualdades, tensões raciais e ascensão de novas fortunas. A série acompanha personagens de diferentes classes sociais, destacando especialmente a luta das famílias negras por reconhecimento e respeito num país ainda marcado pela escravatura.
Sandra Caldwel: uma vida de palco, silêncio e revelação

Sandra Caldwell é uma atriz, cantora e escritora que brilhou em teatro, cinema e televisão. Teve papéis em filmes como The Cheetah Girls e séries como Law & Order: SVU e The Book of Negroes. Durante grande parte da sua carreira, viveu em modo “stealth”, ou seja, sem revelar publicamente a sua identidade de mulher trans.
Foi em 2017, com o papel principal na peça Charm, que Sandra escolheu partilhar a sua verdade. “Pensei: a minha carreira acabou”, contou numa entrevista à CBC. Mas, ao contrário do que temia, foi acolhida com respeito, tornando-se uma voz inspiradora para muitas pessoas trans. Desde então, tem usado a sua visibilidade com propósito, incluindo no documentário Disclosure, da Netflix.
Ellen: uma personagem que nos leva além da ficção
Em The Gilded Age, Caldwell interpreta Ellen, uma “maid-of-all-work” da família Scott. Apesar de ter poucas falas, a sua performance destaca-se: um olhar, um gesto contido, uma sobrancelha levantada dizem muito sobre as dinâmicas sociais e raciais do final do século XIX.
Embora a personagem não seja trans, a escolha de uma atriz trans para o papel não passa despercebida. Ela convida-nos a imaginar outras histórias — reais — de pessoas trans que existiram naquele tempo e que tantas vezes foram apagadas dos registos oficiais.
Redescobrir pessoas trans na era dourada
O artigo The ‘Gilded Age’ silent maid who helps unveil trans history, da Advocate, ajuda-nos a fazer essa ponte histórica. Recorda figuras como Mary Jones, mulher trans negra detida em 1836 em Nova Iorque, cuja identidade de género foi explorada e ridicularizada pela imprensa da época. Ou Frances Thompson, sobrevivente do Massacre de Memphis em 1866, cuja corajosa participação num inquérito do Congresso foi mais tarde usada para a humilhar quando foi revelada a sua identidade trans.
Estes nomes mostram que pessoas trans viveram e resistiram — mesmo em tempos profundamente hostis. Figuras como Charley Parkhurst, Murray Hall ou o Cavaleiro d’Éon vêm de contextos diversos, mas todas provam uma verdade essencial: as pessoas trans sempre existiram.



A presença de Sandra Caldwell em The Gilded Age pode parecer discreta. Mas, para quem vê além da superfície, é um lembrete de como a arte pode trazer visibilidade a histórias que foram silenciadas. Permite pensar a transgeneridade não como fenómeno recente, mas como parte integral da história humana.
E é nessa intersecção entre representação, memória e dignidade que a atuação de Caldwell se torna tão importante. Porque mesmo quando não há palavras, há corpos que resistem. E há olhares — como o dela — que contam histórias inteiras.
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