
Em entrevista, Alberto Cortés reflete sobre desejo, fragilidade e a possibilidade de reescrever o amor queer através do teatro.
Figura central da cena teatral espanhola contemporânea, Alberto Cortés (Málaga, 1983) é conhecido pela forma como cruza teatro, dança e performance para transformar o palco em espaço de desejo, fragilidade e experimentação. A sua dramaturgia, profundamente marcada por uma linguagem poética e pelo corpo como arquivo de memórias e afetos, tem vindo a conquistar cada vez mais relevância internacional.
Na BoCA 2025, Cortés apresenta “Os Rapazes da Praia Adoro”, com estreia mundial no Teatro de la Abadía, em Madrid, nos dias 3 e 4 de outubro, às 19h00; e no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, a 25 e 26 de outubro, às 19h30 e 17h30, respetivamente.
Este é um evento criado em colaboração com o pintor português João Gabriel, a convite da BoCA e do Teatro do Bairro Alto, e que propõe uma praia imaginária como território de intimidade e reconciliação queer entre Portugal e Espanha. Em Madrid, os intérpretes são Miguel Deblas e Saul Olarte; enquanto que em Lisboa a interpretação estará a cargo de Peter Arcanjo e Bruno Santos. Ambas as apresentações têm música ao vivo de Adriano Galante, igualmente responsável pela composição musical do espetáculo.
“Os Rapazes da Praia Adoro” é uma obra que coloca o amor, a memória e a sexualidade no centro de um gesto político e estético. Foi a partir deste contexto que desafiámos Alberto Cortés a partilhar reflexões sobre o seu trabalho, as suas colaborações e o papel da arte na reinvenção das nossas formas de viver e amar.
Entrevista a Alberto Cortés
[Nota inicial: Aquando da entrevista, Alberto Cortés iria apresentar na BoCA também o espetáculo 𝐀𝐧𝐚𝐥𝐩𝐡𝐚𝐛𝐞𝐭 que, infelizmente, foi cancelado.]
Que significado tem para si apresentar duas obras na BoCA neste “Camino Irreal” que a bienal propõe?
Sinto-me muito agradecido pela confiança depositada no meu trabalho em duplicado, sinto-me acolhido. Creio que o meu trabalho está a chegar ao país vizinho um pouco tarde — é a primeira vez que apresento as minhas peças em Lisboa —, mas fazê-lo de mãos dadas com a BoCA e desta forma é um privilégio. Oxalá daqui nasçam laços que se possam manter no tempo. Além disso, o facto de serem duas peças tão distintas entre si dá, suponho, uma visão mais rica do meu trabalho.
A sua obra cruza desejo, memória e política. Como se relaciona com a ideia de que a arte é também um ato político, sobretudo no contexto queer?
Nunca tive qualquer dúvida quanto a isto: o que fazemos e a forma como o fazemos são sempre atos políticos. Partindo desta base, permiti-me surfar sobre o político com liberdade. Claro que a representação do queer em cena é um ato político, mas cada lugar e cada identidade têm também a sua própria razão política. Essa é a que me coube a mim. E não apenas o que atravessa o queer, mas cada palavra, ação ou decisão da peça.
O espetáculo fala de reescrever o amor a partir da fragilidade. Acha que o teatro pode também reescrever as nossas formas de amar?
Como dizia antes, vivo o palco como uma possibilidade de mudança; se não tivesse essa esperança, deixaria de o fazer. Mais do que esperança, é uma pequena luz cintilante no meio de uma caverna escura. Quero conceder ao teatro a possibilidade de reescrever qualquer coisa, uma delas o amor, claro, e as suas múltiplas formas e cores. Não o digo como algo que eu sei e partilho com os outros para que compreendam — essa não é de todo a minha ideia de teatro —, mas antes como algo que eu próprio desconheço e exponho para que todos vejamos mais alguma coisa durante a função. Algo que na maioria das vezes não entendemos, mas que nos alimenta de uma forma não racional.
Como surgiu a colaboração com João Gabriel em Os Rapazes da Praia Adoro e de que forma o diálogo entre pintura e teatro transformou a obra?
Foi uma colaboração proposta pela BoCA e pelo Teatro do Bairro Alto. John Romão e Francisco Frazão conheciam o trabalho de ambos e, suponho, viram uma ligação de sensibilidades na forma como refletíamos o encontro íntimo marica. A partir daí juntaram-nos, porque não nos conhecíamos, e entendemos de imediato que nos iríamos entender.


O mais complexo foi perceber de que forma queríamos expor a fraternidade entre disciplinas, sobretudo pela vontade de não recorrer a clichés. Saímos ambos da nossa zona de conforto para encontrar um ponto de união que não é nem uma obra do João nem minha, mas sim outra coisa.
Os Rapazes da Praia Adoro parte do imaginário do cruising, espaço de liberdade e evasão histórica. Que futuro imagina para estes territórios de intimidade queer?
É complexo imaginar um futuro para o cruising porque se misturam realidade e desejo.
Se falar a partir do desejo, diria que imagino espaços que permanecem vivos eternamente, que aperfeiçoam os seus cuidados, que se tornam refúgios para realidades diversas, que acolhem todos os corpos e que priorizam a intimidade ao consumo.
Se falar a partir da realidade, parece-me que são lugares cada vez mais frágeis e em perigo com a vaga fascista europeia que estamos a viver. Tornaram-se espaços a proteger e a fortalecer face aos tempos sombrios que aí vêm.
Que caminhos gostaria ainda de explorar na sua dramaturgia? Há fantasmas ou praias ainda por inventar?
Claro que há novos fantasmas por inventar. Enquanto continuar a expor-me à vida, aparecerão fantasmas novos que ainda desconheço. O que gostaria de explorar é ter tempo para me expor à vida, porque essa é a fonte de toda a dramaturgia no meu trabalho. Sinto que ainda tenho muito por fazer — a maioria das coisas são coisas que neste momento nem sequer imagino, da mesma forma que antes não imaginei o que sou agora.

Agradecemos a disponibilidade de Alberto Cortés para esta entrevista e recordamos que a BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas decorre entre 10 de setembro e 26 de outubro de 2025, em Lisboa e Madrid.
“Os Rapazes da Praia Adoro” estará em exibição no Teatro de la Abadía, em Madrid, nos dias 3 e 4 de outubro, às 19h00; e no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, a 25 e 26 de outubro, às 19h30 e 17h30, respetivamente.
Os nossos destaques da BoCA podem ser consultados aqui. Mais informações sobre toda a programação em bocabienal.org.
Subscreve à nossa Newsletter Semanal Maravilha Aqui! 🙂
Todos os sábados de manhã receberás um resumo de todos os artigos publicados durante a semana. Sem stress, sem spam, a nossa orgulhosa Newsletter Semanal pode ser cancelada a qualquer momento! 🏳️🌈

Deixa uma resposta