
Um novo relatório da ILGA-Europe expõe algo que muitas pessoas LGBTI+ já sentem há anos: a crise que afeta pessoas em situação de sem abrigo na comunidade é maior, mais profunda e mais invisibilizada do que mostram os números oficiais.
“The Power of Data: Addressing LGBTI Homelessness in Europe” reúne investigação feita entre 2023 e 2024 em Itália, Espanha, Alemanha e Eslovénia. O retrato mostra como a situação de sem abrigo raramente começa na rua. Começa, sim, na rejeição, na discriminação e em sistemas que falham repetidamente.
O que o novo relatório mostra
A investigação envolveu dados quantitativos, entrevistas e conhecimento local de cinco organizações LGBTI+. O objetivo foi perceber melhor o impacto da estigmatização, da precariedade económica e da exclusão social.
O resultado revela um padrão comum: não falamos apenas de falta de casa. Falamos de perda de segurança, instabilidade prolongada e uma pressão económica e emocional constante.
Anastasia Smirnova, diretora de Programas da ILGA-Europe, descreve o problema de forma direta: “As pessoas LGBTI+ enfrentam riscos únicos, incluindo rejeição familiar, discriminação e negligência institucional.” Destaca ainda que estas barreiras colocam as pessoas em risco de “segurança, estabilidade e apoio”.
“Abordar a falta de habitação LGBTI+ significa confrontar formas de discriminação sistêmica, opressão, exclusão social e violações de direitos fundamentais que afetam não apenas a segurança da habitação, mas também o acesso a tratamento justo, segurança e pertença da comunidade“, remata.
Quatro países, quatro alertas
- Alemanha: o Black Sex Worker Collective mostra que o estigma associado ao trabalho sexual é um dos maiores obstáculos ao acesso a habitação para pessoas trabalhadoras do sexo LGBTI+, sobretudo pessoas negras.
- Itália: a organização QUORE identifica o stress de minoria — rejeição, discriminação e estigma interiorizado — como motor e perpetuador de situações de sem abrigo.
- Eslovénia: a Ljubljana Pride mostra que o impacto económico é profundo. Quando a situação de sem abrigo interrompe estudos e início de carreira, a perda de rendimentos prolonga-se pela vida adulta.
- Espanha: o trabalho conjunto da Ahora Donde e da ACATHI revela que a rejeição familiar, o isolamento e a discriminação criam padrões de situação de sem abrigo escondida, com muitas pessoas a recorrer ao couch-surfing por falta de alternativas seguras.
Por que falamos de situação de sem abrigo “escondida”
A maioria das pessoas LGBTI+ nesta situação não aparece nas estatísticas. Não dormem necessariamente na rua, mas também não têm acesso a um lar seguro.
Podem depender de sofás de pessoas amigas ou de relações informais. Podem aceitar condições inseguras para evitar o estigma dos serviços tradicionais. Podem ainda evitar pedir ajuda por medo de discriminação.
Esta invisibilidade torna difícil calcular a dimensão real do problema, situação que impede respostas adequadas.
O que falta fazer para mitigar a situação de sem abrigo de pessoas LGBTI+
A ILGA-Europe sublinha que existem soluções que funcionam: alojamento especializado, abordagens housing-first, apoio entre pares e modelos de cuidados informados pelo trauma. Mas estes projetos ainda são exemplos isolados.
O relatório pede ação política urgente:
- integrar necessidades LGBTI+ nas estratégias nacionais sobre pessoas em situação de sem abrigo
- criar serviços acessíveis, intersecionais e informados pelo trauma
- investir em dados e investigação em parceria com organizações locais
- enfrentar a discriminação estrutural que empurra pessoas LGBTI+ para fora dos seus espaços de segurança
Smirnova reforça que “A falta de habitação para pessoas LGBTI+ não é inevitável; é o resultado de sistemas que podem e devem mudar”. E lembra que mudanças estruturais acontecem quando governos, serviços e comunidades atuam em conjunto.
Por que importa agora este relatório
Num contexto europeu marcado por cortes sociais e avanços de forças anti-direitos, compreender a situação de sem abrigo LGBTI+ é essencial. Sem dados, a exclusão continua escondida. Sem políticas inclusivas, a precariedade torna-se permanente.
Este relatório expõe aquilo que tantas pessoas vivem em silêncio. E lembra que ter casa não é só um direito básico. É também a base para viver com segurança, dignidade e pertença.
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