Espanha, Irlanda, Países Baixos e Eslovénia saem da Eurovisão. Portugal mantém-se num festival cada vez mais dividido

JJ, da Áustria, venceu a Eurovisão em 2025.

A crise na Eurovisão deixou de ser apenas um cenário possível. Espanha, Irlanda, Países Baixos e Eslovénia confirmaram oficialmente que abandonam o Festival Eurovisão da Canção 2026, após a União Europeia de Radiodifusão (UER) decidir manter a participação de Israel.

As quatro emissoras públicas recusam alinhar num evento que, dizem, não consegue responder ao contexto humanitário em Gaza nem às interferências políticas associadas à presença israelita.

Quatro saídas que mudam o mapa eurovisivo

A RTVE cumpriu o que tinha anunciado em setembro: deixará de participar e também não transmitirá o concurso. No comunicado, recorda que o Conselho de Administração decidira já que Espanha sairia caso Israel fosse mantido. Alfonso Morales, secretário-geral da RTVE, afirma: “A situação em Gaza, apesar do cessar-fogo e a aprovação do processo de paz, e a utilização do certame para objetivos políticos por parte de Israel, tornam cada vez mais difícil manter a Eurovisão como um evento cultural neutro.”

A saída espanhola pesa ainda mais por ser o primeiro abandono dentro do grupo Big 5, que sustenta financeiramente o festival.

A AVROTROS, dos Países Baixos, tomou a mesma decisão. A emissora aponta a “violação de valores universais como a humanidade e a liberdade de imprensa” em Gaza e sublinha que a interferência política na edição anterior “ultrapassou os limites”.

A RTÉ, da Irlanda, acompanha a posição. Considera impossível participar “dadas as terríveis perdas de vidas em Gaza”, a crise humanitária, o assassinato seletivo de jornalistas e a negação de acesso à imprensa internacional.

A EBU insiste na continuidade

A assembleia-geral da UER votou por escrutínio secreto. A grande maioria dos membros considerou suficientes as novas salvaguardas anunciadas e rejeitou uma nova votação sobre a participação israelita. A emissora Kan, a emissora pública israelita, já anunciou que Israel vai mesmo participar na edição de 2026. A lista final de participantes será divulgada antes do Natal.

A UER insiste na narrativa de separação entre cultura e política. No entanto, esta posição vem-se tornando difícil de defender, sobretudo após ter afastado a Bielorrússia em 2021 e a Rússia em 2022. A permanência de Israel é assim vista como uma incoerência ética, agravada pelo papel de patrocinadores israelitas como a Moroccanoil, omnipresente no festival.

O contexto humanitário que alimenta o boicote

Desde outubro de 2023, o conflito em Gaza tornou-se o maior ponto de rutura entre Eurovisão e o seu público, artistas e emissoras. Em 2025, o número de mortes ultrapassava as 52 mil pessoas. Organizações como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional classificam as ações do governo de Benjamin Netanyahu como crimes de guerra ou mesmo genocídio.

A crítica centra-se também no alegado pinkwashing — a utilização do festival para limpar a imagem internacional de um Estado responsável por violações graves dos direitos humanos, num espaço tradicionalmente associado à celebração da diversidade e das comunidades LGBTQ+.

E Portugal? mantém-se

Num momento de divisões profundas, Portugal mantém-se na Eurovisão. A RTP não sinalizou qualquer intenção de boicote. Em comunicado, a emissora nacional aponta a alteração das regras como reforço da confiança e da transparência para “garantir a neutralidade do evento”.

A decisão reforça uma opção política: continuar no festival apesar do ambiente tenso, do afastamento de aliadas europeias e da tensão entre os valores proclamados pela Eurovisão e a realidade no terreno.

Esta permanência levanta questões. Que impacto terá a saída de quatro países influentes? Há risco de uma cisão mais profunda? Como se mantém a narrativa de inclusão num palco esvaziado de consensos mínimos?

Um festival que já não consegue esconder a política

A Eurovisão sempre disse ser um palco apolítico, mas a realidade tornou essa promessa impossível. A música nunca existiu isolada do mundo. A decisão de continuar, sair ou boicotar é inevitavelmente política.

À medida que mais países ponderam a sua posição, torna-se óbvio que o conflito em Gaza não é apenas um pano de fundo para o festival. É o ponto de fratura que expõe todas as contradições acumuladas: entre entretenimento e responsabilidade, entre diversidade e silêncio, entre celebração e sofrimento.

A pergunta impõe-se: que Eurovisão existirá quando parte do continente decide que participar já não é compatível com os seus valores?


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Respostas de 3 a “Espanha, Irlanda, Países Baixos e Eslovénia saem da Eurovisão. Portugal mantém-se num festival cada vez mais dividido”

  1. […] Com a opção de manter Portugal na Eurovisão em 2026, apesar da saída de vários países e das tensões crescentes no festival, a organização do Festival da Canção colocou-se num lugar frágil. Ao assumir uma posição institucional de continuidade, acabou por abrir espaço para que grande parte dos nomes a concurso tomasse a dianteira política. […]

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  3. […] Espanha, Irlanda, Países Baixos e Eslovénia saem da Eurovisão. Portugal mantém-se num festival c… […]

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