
Luís Montenegro afirmou lamentar “profundamente” a transmissão, na RTP2, de um episódio animado sobre identidade de género. A declaração surgiu após o CDS apresentar um voto de protesto contra o programa Sex Symbols – Transgénero, emitido a 16 de novembro e que aborda as mudanças físicas e a sexualidade na pré-adolescência.
Durante o debate quinzenal, Paulo Núncio descreveu o episódio como “propaganda de ideologia de género” e afirmou que “chocou e indignou muitas famílias”. O deputado insistiu que o conteúdo seria “claramente direcionado para crianças” e rejeitou que temas de género fossem abordados na televisão pública.
Montenegro subscreveu “na íntegra” as críticas do CDS. Reconheceu que não tem poderes para intervir na RTP, mas afirmou que a emissão foi lamentável “nos termos em que foi”. E destacou que a postura do Governo já é visível nas mudanças feitas à Disciplina de Cidadania.
De que trata a série de animação Sex Symbols da RTP2?

Sex Symbols é uma série de animação que apresenta quatro crianças amigas a entrar na pré-adolescência e que começam a ter as primeiras dúvidas sobre as suas mudanças físicas e a sua sexualidade.
Nos seus objetivos didáticos, jovens aprenderão sobre educação sexual e emocional através de animação e entretenimento.
Não sou transformer, embora não fosse nada mau! Sou transgénero.
No episódio é conhecida a história de Lúcia que explica ao seu primo Hugo e ao amigo Max que é trans enquanto se preparam para jogar basquete. O episódio em causa pode ser visto na RTP Play.
Montenegro e um padrão político antigo
Estas declarações não surgem no vazio. As posições de Montenegro sobre igualdade LGBTI+ têm uma história longa e marcada por oposição constante.
Em 2004, durante o debate sobre a criminalização da violência sexual, Montenegro associou a orientação sexual ao abuso sexual de crianças — uma ligação sem base científica ou factual. Em 2015, voltou a posicionar-se contra a adoção por casais do mesmo género. O atual primeiro ministro nunca reviu estas posições ao longo dos anos.
Recordar este passado ajuda a compreender a coerência do discurso atual, que reencontra no género e na orientação sexual um espaço político de mobilização através do medo.
Cidadania sob ataque perante consenso internacional sobre a importância de uma educação inclusiva
A intervenção de hoje liga-se também ao pedido que PSD e CDS fizeram em fevereiro para retirar das escolas o Guia sobre identidade e expressão de género, parte essencial da disciplina de Cidadania. Essa proposta contrariou as recomendações internacionais e ignorou décadas de evidência científica.
Entidades como a UNICEF e a UNESCO defendem, de forma clara, a importância de currículos inclusivos. A UNICEF lembra que escolas informadas reduzem desigualdades e criam ambientes seguros. Retirar estes temas prejudica crianças e jovens.
A UNESCO, no relatório International Technical Guidance on Sexuality Education, afirma que a educação para a cidadania e sexualidade deve basear-se em direitos humanos e evidência científica. Ensinar sobre igualdade de género e identidades LGBTQ+ ajuda a combater discriminação e bullying.
A investigação académica aponta na mesma direção. Uma revisão publicada no Journal of Adolescence mostrou que programas inclusivos aumentam empatia, respeito e sentido de justiça social. Outros estudos demonstram que abordar estas temáticas reduz bullying e melhora a saúde mental de jovens LGBTQ+.
O consenso é claro: educação inclusiva protege crianças. Omitir estes temas deixa-as mais vulneráveis. Não é, aliás, por acaso que crianças e adolescentes LGBTI+ estão entre as que mais bullying sofrem em Portugal.
O que está em causa
A reação do primeiro-ministro insere-se numa estratégia mais ampla. A narrativa ultra-conservadora da “ideologia de género” tenta descredibilizar ciência, apagar experiências reais e retirar ferramentas de proteção a crianças e jovens.
É uma estratégia que tem consequências: jovens LGBTQ+ continuam a enfrentar níveis elevados de discriminação, isolamento e risco de violência. Ora, programas educativos inclusivos ajudam a contrariar estas desigualdades.
O debate parlamentar mostrou que a disputa não é sobre desenhos animados. É sobre quem merece reconhemento, respeito e proteção. É sobre o direito das crianças a informação rigorosa e ambientes escolares seguros.
E é também sobre responsabilidade política. Quando um primeiro-ministro reforça discursos desinformados, legitima políticas que afastam Portugal das recomendações internacionais e de compromissos básicos com os direitos humanos.
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