Poema a um Natal queer possível

Poema a um Natal queer possível

O Natal sempre chega.
Mesmo quando não estamos prontas.
Mesmo quando não sabemos onde ficar.

Chega com luzes acesas,
Com músicas repetidas,
Com a promessa antiga de reunião.

Mas nem todas as mesas são abrigo.
Nem todas as casas são casa.

Para muitas pessoas queer
O Natal é um teste silencioso.
O corpo sentado.
A mente vigilante.
O que faço aqui?

Há coisas que se dizem e não deviam.
Outras ficam por dizer. E não deviam.
Há amores que ficam do lado de fora,
Onde estás?

Comemos bacalhau, polvo
Engolimos o silêncio.

Sorrimos
Apenas o suficiente
Para não levantar perguntas.
Ficamos o tempo necessário
Até nos separarmos do momento.

Há um cansaço parcial
Neste fingir inteiro.

O Natal não devia criar armários.
Há quem assim não volte
A mesas que exigem que nos anulemos.
Que deixemos de ser.

E assim procuramos outras mesas
Sem ti, mãe.
Sem ti, pai.

Há Natais passados em casas emprestadas,
Em jantares improvisados
Com quem aprendemos a chamar família.

A família escolhida não nasce do acaso.
Nasce da urgência
E da necessidade de continuarmos a ser
Por inteiro.

E cada momento
É insistência.
É ficar mais um ano
É voltar a tentar.

Porque, ainda assim, há mesas que mudam.
Lentamente.
Hesitantemente.
E apertam-se as cadeiras
Para sentarmos mais uma pessoa
Tu, vem até aqui.

Pais e mães que escutam.
Avós que procuram entender.
Irmãs e irmãos que se sentam a nosso lado
E connosco partilham um sorriso cúmplice.
Nosso.
Meu.
Teu.

O Natal possível pode não ser o ideal.
Mas é o ideal quando não nos apaga.

É poder existir sem cortes.
Sem concessões eternas.
Sem promessas vãs.
Sem medo.

Celebrar pode ser ficar.
Ou sair.
Ou inventar outra coisa qualquer.

Pode ser jantar tardio.
Ver um filme.
Partilhar uma conversa.
Visitar um espaço comunitário.
E estar convosco.

Pode ser silêncio bom.
Pode ser companhia mínima.

O Natal não precisa ser grande.
Precisa ser seguro.

A quem acolhe
Que o faça completamente
Que esta não é altura de silenciar afetos.

O amor também se pratica
Quando se interrompe o preconceito

Lembremo-nos que há um Natal
Onde ficamos inteiras
Com quem nos vê,
Com quem nos quer bem,
Com quem fica.

Tu e eu
Algures neste Natal queer possível
Sim, que seja, acima de tudo, possível
Tu e eu.

Boas festas.



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