Do livro ao pequeno ecrã: como Heated Rivalry transformou um romance queer num fenómeno cultural

Do livro ao pequeno ecrã: como Heated Rivalry transformou um romance queer num fenómeno cultural

A série-sensação Heated Rivalry tornou-se um fenómeno cultural improvável. Uma história queer explícita, passada no universo hipermasculinizado do hóquei profissional, conquistou audiências muito para lá do nicho esperado.

Baseada no romance homónimo de Rachel Reid, publicado em 2019, a série adapta um dos livros mais marcantes da saga Game Changers. O ponto de partida é simples: dois jovens jogadores de elite, rivais no gelo, iniciam aos 17 anos uma relação sexual secreta que se transforma, ao longo de quase uma década, numa história de amor profunda e dolorosa.

Shane Hollander e Ilya Rozanov conhecem-se num torneio de juniores e a rivalidade desportiva é imediata. A atração também. O primeiro encontro acontece quase por acaso, mas repete-se durante anos, sempre escondido, sempre fragmentado pelo medo.

À medida que ambos ascendem à National Hockey League, tornam-se estrelas de equipas rivais. Em público, são adversários ferozes. Em privado, amantes que se reencontram em quartos de hotel, longe de olhares indiscretos.

Heated Rivalry além do sexo

Heated Rivalry além do sexo

O conflito central não é a descoberta da sexualidade, mas o peso de a esconder. Ilya assume desde cedo quem é e o que sente. Shane, pelo contrário, vive marcado pela homofobia internalizada, pelo receio de perder a carreira e pelo silêncio cúmplice do meio desportivo.

Rachel Reid constrói a narrativa a partir dessa assimetria emocional. O livro acompanha os efeitos do adiamento constante, da recusa em escolher, e do desgaste psicológico de uma relação vivida às escondidas durante anos.

Ao contrário de muitas histórias queer no desporto, Heated Rivalry não oferece soluções rápidas. Mostra, sim, o custo real do armário prolongado. Mostra, sim, como o amor pode resistir, mas também ferir.

A adaptação televisiva mantém essa complexidade. A série respeita a estrutura temporal do livro, alternando entre jogos decisivos, reencontros furtivos e confrontos emocionais inevitáveis. Mantém também a sexualidade explícita, recusando suavizar o desejo para o tornar mais “aceitável”.

Esse posicionamento foi central para o impacto da série. Heated Rivalry não pede licença. Ocupa espaço e obriga o público a confrontar a ausência quase total de narrativas queer assumidas no hóquei profissional. Estas escolhas artísticas deram resultados, sendo o seu episódio “I’ll Believe in Anything” reconhecido como o melhor de 2025 e um dos melhores de sempre.

A Liga de Hóquei dos EUA já reagiu

O alcance foi tal que a própria liga reagiu. Em declarações ao The Hollywood Reporter, uma pessoa representante da NHL reconheceu o fenómeno, afirmando tratar-se de uma forma inédita de atrair novas pessoas adeptas para o desporto.

Também figuras do hóquei profissional comentaram o impacto. Sean Avery, antigo jogador da NHL, afirmou que a série “pode abrir a porta ao primeiro jogador assumidamente gay da liga”, reconhecendo implicitamente o silêncio histórico do meio.

Avery disse não “conhecer em primeira mão nenhum jogador gay”, embora admita “ter tido um colega gay e armariado em algum momento da minha carreira”.

Eu amo Heated Rivalry. É a pior série de hóquei, mas também a série de hóquei gay mais incrível”, acrescentou.

O que esperar de Heated Rivalry?

A primeira temporada termina com o episódio “The Cottage”, centrado numa rara tentativa de fuga ao escrutínio público. O descanso, porém, é curto. O mundo exterior volta a impor escolhas difíceis.

A renovação para uma segunda temporada, pela Crave e pela HBO Max, confirma que a história de Shane e Ilya ainda não terminou. A série chegará também à Europa em 2026.

Mais do que um romance, Heated Rivalry é uma crítica ao silêncio estrutural no desporto profissional. Uma lembrança de que a invisibilidade também é uma forma de violência. E de que contar estas histórias continua a ser uma necessidade e uma boia de salvação para a comunidade LGBTQ+.


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