
O caso da pugilista argelina Imane Khelif tem despertado debates intensos sobre preconceito, transfobia e a necessidade de proteger a integridade e dignidade de atletas, independentemente das suas características biológicas. O episódio evidencia como o bullying e a transfobia surgem disfarçados de uma suposta “investigação” jornalística, numa campanha que levanta questões mais amplas sobre o tratamento de atletas.
Em agosto de 2024, Khelif, que venceu o ouro na categoria -66 kg de boxe nos Jogos Olímpicos de Paris, foi alvo de rumores e teorias sobre a sua identidade de género, rapidamente desmentidos pelo Comité Olímpico Internacional (COI). Este comunicado sublinhou que atletas passam por verificações de identidade e que Khelif cumpre integralmente as regras de elegibilidade do torneio. No entanto, a campanha contra ela continuou, impulsionada por narrativas enviesadas.
Entre os detratores de Khelif, destaca-se o jornalista freelancer Djaffer Ait Aoudia, que publicou no jornal francês independente Le Correspondant uma série de artigos sensacionalistas sobre a atleta. Em outubro, Ait Aoudia afirmava ter acesso a um relatório médico confidencial, insinuando que a pugilista teria “testículos“. Apesar das alegações e títulos provocatórios, não houve validação médica do conteúdo da peça e surgiram várias inconsistências. Jacques Young, um dos médicos citados, negou qualquer envolvimento com o caso ou autoria do relatório ao Polígrafo, descredibilizando a fiabilidade da suposta investigação.
Imane Khelif foi vítima de bullying à escala global, mas ripostou
Este episódio levanta questões de fundo: o que realmente está em causa ao expor atletas como Khelif a uma campanha de descrédito e ataque público? Muitas vezes, essas campanhas visam atletas cisgénero que se afastam das normas de género esperadas, especialmente mulheres de origem não europeia, colocando-as sob suspeita e esbarrando em preconceitos racistas e misóginos.
Outro fator a considerar é a mediatização de casos complexos como o de Imane Khelif por veículos como o site canadiano Reduxx, fundado por Anna Slatz. Este portal, conhecido por ligações com ideologias de extrema-direita, amplificou o relato de Ait Aoudia, reforçando as narrativas transfóbicas e contribuindo para a propagação de uma campanha de desinformação. Slatz, reconhecida pelo seu histórico de comentários homofóbicos e transfóbicos, não é responsável pela peça original, mas a sua promoção deu à falsa investigação uma visibilidade global.
Imane Khelif, que se identifica como mulher e possui um histórico de competições internacionais, decidiu avançar com uma queixa de bullying. Esta decisão surge num contexto de ataques intensos nas redes sociais, com acusações que vão desde o racismo até ao sexismo. O seu advogado, Nabil Boudi, descreveu a campanha como “misógina, racista e sexista”, realçando o impacto negativo na saúde mental e na dignidade da atleta.
Existe a tentativa de controlo sobre os corpos no palco desportivo de atletas que se afastam das normas convencionais
O caso de Khelif ultrapassa assim questões médicas e toca num ponto fundamental sobre a violência simbólica e real que atletas, especialmente mulheres de origem não europeia, enfrentam ao desafiarem as expetativas de género e étnicas no desporto. A transfobia, neste contexto, revela-se mais uma expressão de controlo sobre os corpos e identidades no palco desportivo, afetando não só pessoas trans, mas também cisgénero que se afastam das normas convencionais.
O desfecho desta história não se limita ao desporto, mas representa uma batalha maior contra o preconceito e pela proteção dos direitos humanos. Ao longo da sua carreira, Imane Khelif tem provado a sua competência e determinação. Este caso destaca a urgência de políticas mais robustas que garantam o respeito e segurança de atletas, assegurando que o desporto, especialmente em palcos como os Jogos Olímpicos, se mantenha um espaço de inclusão e celebração da diversidade.

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