
Nos últimos dias, Karla Sofía Gascón, primeira mulher trans nomeada para um Óscar de Melhor Atriz pelo filme Emilia Pérez, viu a sua histórica nomeação ser eclipsada por uma polémica envolvendo publicações antigas nas redes sociais. O escândalo culminou na sua remoção da campanha promocional do filme na reta final para os Óscares.
No final de janeiro, várias publicações antigas de Karla Sofía Gascón nas redes sociais vieram a público, revelando comentários considerados racistas, islamofóbicos e anti-LGBTQ+. Entre elas, estavam críticas à diversidade nos Óscares, uma mensagem depreciativa sobre George Floyd e insultos dirigidos a pessoas LGBTQ+ e à comunidade muçulmana. Estas declarações geraram fortes críticas, tanto do público como da indústria cinematográfica.
Zoe Saldaña e o impacto na equipa do filme
Durante um evento promocional em Londres, Zoe Saldaña, colega de Gascón em Emilia Pérez e nomeada para Melhor Atriz Secundária, foi questionada sobre a polémica. Sem mencionar diretamente o nome da atriz, Saldaña afirmou:
Ainda estou a processar tudo o que aconteceu nos últimos dias e estou triste. Isto entristece-me porque não apoio nem tolero qualquer retórica negativa em relação a pessoas de qualquer grupo.
A minha experiência a trabalhar com o elenco de Emilia Pérez foi marcada pela inclusão, pela colaboração e pelo respeito à diversidade racial, cultural e de género. O que aconteceu é um revés, mas o filme continua a carregar uma mensagem poderosa para comunidades marginalizadas.
As palavras de Saldaña refletiram o dilema enfrentado pela equipa do filme: como manter a essência inclusiva do projeto enquanto lidam com as declarações passadas da sua protagonista.
A resposta de Karla Sofía Gascón
Perante a crescente pressão, Gascón apagou a sua conta na rede social X (antigo Twitter) e publicou um pedido de desculpas:
Quero reconhecer a conversa em torno das minhas publicações antigas e da dor que possam ter causado. Como membro de uma comunidade marginalizada, compreendo este sofrimento e peço desculpa a quem tenha magoado. Toda a minha vida lutei por um mundo melhor e continuo a acreditar que a luz triunfa sobre a escuridão.
Apesar das desculpas, muitas pessoas consideraram que a resposta não foi suficiente. As declarações da atriz foram amplamente criticadas, com vários ativistas a afirmarem que o seu passado não condiz com a mensagem de inclusão que Emilia Pérez pretende transmitir.
Como consequência de novas entrevistas dadas sem o apoio da sua equipa, foi agora anunciado que Karla Sofía Gascón será retirada da campanha promocional do filme nos EUA. De acordo com o Hollywood Reporter, a decisão foi tomada pela equipa de Emilia Pérez em colaboração com a Netflix, distribuidora do filme. A atriz não participará em eventos promocionais, incluindo os AFI Awards e os Critics Choice Awards, onde o filme estava previsto ter uma forte presença.
Esta decisão marcou um ponto de viragem na polémica. Ainda que não tenha sido desqualificada dos Óscares, a sua exclusão da campanha pode impactar as suas hipóteses de vir a ser galardoada. Esta decisão coloca, inclusive, a questão se a atriz espanhola vai sequer comparecer na cerimónia dos Óscares.
Um caso complexo sobre discurso de ódio
O caso de Karla Sofía Gascón levanta questões importantes sobre responsabilidade pública, perdão e consequências. A inclusão de pessoas trans no cinema não deve ser usada para encobrir atitudes discriminatórias. As suas declarações passadas não podem ser aqui ignoradas ou relativizadas. São discurso de ódio, sem meias palavras.
Importa, no entanto, entender que estas não devem servir nunca de pretexto para fomentar mais discurso de ódio, nomeadamente ataques transfóbicos. Ataques estes que nunca terão desculpa, para ninguém, e aqui inclui-se Karla. Aliás, estes ataques levaram a que a atriz brasileira Fernanda Torres viesse em defesa de Karla Sofía Gascón antes de explodir esta polémica. “Não vamos alimentar o ódio“, disse na altura a igualmente nomeada aos Óscares pelo seu papel em Ainda Estou Aqui.
Com a cerimónia dos Óscares marcada para 2 de março, resta saber qual será o impacto final desta polémica na sua nomeação e no legado de Emilia Pérez como um filme que, ironicamente e apesar de não ser consensual, se propõe a celebrar a diversidade.

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