
Durante séculos, a sociedade tem operado sob a premissa de que existem apenas dois sexos: masculino e feminino. Esta visão binária tem moldado sistemas legais, sociais e médicos, influenciando profundamente a forma como as pessoas são reconhecidas e tratadas.
No entanto, avanços científicos e relatos de experiências vividas têm desafiado esta conceção simplista, revelando uma realidade muito mais complexa e diversa.
A ciência revela um espectro
Tradicionalmente, o sexo biológico tem sido determinado com base em características como cromossomas (XX ou XY), gónadas (ovários ou testículos) e genitália externa. Contudo, estudos científicos têm demonstrado que estas características nem sempre se alinham de forma clara ou binária. Condições conhecidas como variações nas características sexuais (VCS), referidas como intersexo ou intersexuais, são exemplo desta complexidade.
Estima-se que cerca de 1,7% da população mundial nasça com alguma forma de VCS, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas, uma prevalência comparável à de pessoas com cabelo ruivo. Estas variações podem incluir combinações de cromossomas, gónadas e genitália que não se enquadram nas definições típicas de masculino ou feminino. Por exemplo, indivíduos com Síndrome de Insensibilidade Androgénica (SIA) possuem cromossomas XY, mas desenvolvem características físicas femininas devido à insensibilidade às hormonas masculinas.
Além disso, a investigação genética tem identificado múltiplos genes envolvidos no desenvolvimento sexual, como o SRY, WNT4 e RSPO1, cuja expressão pode variar, resultando numa ampla gama de características sexuais. Estas descobertas desafiam a ideia de que o sexo é determinado exclusivamente por um único fator genético ou hormonal. Talvez por isso, “a biologia humana é muito mais expansiva do que as simples categorias de mulheres e homens.“
Implicações legais e sociais das categorias sexuais binárias
A insistência em categorias sexuais binárias tem levado a práticas médicas controversas, como cirurgias de “normalização” em bebés intersexo, muitas vezes realizadas sem o consentimento informado dos indivíduos afetados. Estas intervenções podem ter consequências físicas e psicológicas nefastas e duradouras.
Como se não bastasse, muitas pessoas nunca descobrem a sua condição a menos que procurem ajuda médica mais tarde na sua vida para outras situações. Por exemplo, equipas de cirurgia estavam a operar um homem a uma hérnia, quando descobriram que ele tinha um útero. O homem tinha 70 anos e quatro filhos.
Em termos legais, a maioria dos sistemas jurídicos reconhece apenas dois sexos, o que pode marginalizar pessoas com VCS ou identidades de género não conformes. Embora alguns países tenham começado a implementar medidas para proteger os direitos destas populações, como a proibição de cirurgias não consensuais em menores, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir igualdade e reconhecimento pleno.
Rejeitar um binarismo estanque é abraçar a diversidade da natureza humana
Organizações e ativistas têm destacado a necessidade de políticas inclusivas, educação pública e reformas legais que reconheçam a diversidade das experiências humanas em relação ao sexo e género.
A visibilidade crescente de pessoas com VCS e identidades de género diversas tem contribuído para um diálogo mais informado e empático, desafiando estigmas e promovendo uma compreensão mais abrangente da diversidade humana.
Muitas sociedades estão agora mais confortáveis com homens e mulheres a cruzar as fronteiras sociais convencionais sobre a sua identidade e expressão de género ou orientação sexual. Mas quando se trata de sexo, ainda há intensa pressão social para se encaixar no modelo binário.
Falta à sociedade e à lei acompanharem a ciência no que toca ao sexo
A visão binária do sexo não reflete a complexidade da biologia humana nem as experiências vividas por muitas pessoas. Importa assim reconhecer e respeitar esta diversidade. A ciência já reconhece há décadas a diversidade do sexo biológico, rejeitando um binarismo estanque, falta agora que a sociedade e a lei a acompanhem.
“Dado que não há um parâmetro biológico que se sobreponha a todos os restantes parâmetros, a identidade de género parece ser o parâmetro mais razoável”, disse Eric Vilain, diretor do Centro de Biologia de Género da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “Noutras palavras, se você quer saber se alguém é homem ou mulher, a melhor opção pode ser apenas perguntar“.

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